"Eu acho o Chico Buarque um horror, um equívoco, um chato, um parnasiano. O Olavo Bilac é muito mais moderno que ele. Ele faz uma música anêmica, sem energia, sem vivacidade, parece que precisa tomar soro. A Bossa Nova é a mesma coisa, uma música easy listening, que toca em loja de departamento quando a gente vai comprar uma meia."
Esta é apenas uma pequena amostra do que foi a participação de Lobão na mesa de abertura do Fórum das Letras de Ouro Preto (Flop). Acelerados, ele e Nelson Motta mal pararam para respirar: foram duas horas de uma conversa intensa, à qual não faltaram declarações polêmicas, mesmo da parte do geralmente conciliador Nelsinho, que nessa hora concordou:
"Tirando Tom, Vinicius e João Gilberto, tudo que veio depois na Bossa Nova foi diluição. A gente sabe que Roberto Menescal, Carlos Lyra etc são músicos de segundo time."
Lobão contou então que, quando João Gilberto gravou sua música "Me chama", pediram uma declaração sua:
"Todo mundo daria a ***** para ter uma música gravada pelo João Gilberto, mas eu respondi: 'Quero que ele se ****, acho ele um chato de galocha'. Depois eu soube que ele ficou ofendidíssimo, mas odeio essa sacralização da Bossa Nova, acho isso uma *****, uma coisa jeca, sem tesão."
Os dois voltaram a criticar a "culpa católica", que faz os brasileiros odiarem o sucesso e o dinheiro.
"No Brasil quem faz sucesso fica deprimido porque não é pobre", disparou Lobão. "O Tom Jobim foi chamado de lacaio do capitalismo porque fez sucesso nos Estados Unidos. No Brasil se cultua o voto de pobreza."
Nelson Motta foi além:
"É uma mentalidade pobrista. Ninguém assume responsabilidade por nada. Se um cara mata, a culpa é da sociedade. Ora, existem fracassos e escolhas individuais. Temos que mudar essa atitude e passar a celebrar a vitória."
Nelson falou também sobre sua experiência como escritor, atribuindo parte do sucesso de seus livros - especialmente Noites tropicais e a biografia de Tim Maia, Vale tudo - às sugestões de sua editora de texto, que interferiu diretamente no conteúdo das obras:
"Se eu não aceitasse as sugestões seria burro. Um dos problemas do brasileiro é o excesso de não-me-toques: 'No meu texto ninguém mexe!' Para mim, o que interessa é o resultado."
Mas logo voltou para a música, agora para exaltar os músicos bregas dos anos 70:
"As pessoas acham que quem fazia sucesso na década de 70 era Chico Buarque e Caetano Veloso. Errado, eles só eram ouvidos pela classe média alta. Quem vendia e fazia shows eram Waldick Soriano, Odair José, Antonio Marcos… E eram músicos muito corajosos. Em plena ditadura, o Agnaldo Timóteo teve a coragem de gravar uma música chamada Galeria do amor, sobre a Galeria Alaska, em Copacabana, um ponto de encontro gay.
[intervenção de Lobão: "Uma tremenda bichona…"]
"Isso foi mais subversivo que 10 discos de Geraldo Vandré", continuou Nelson. "E Odair José foi censurado porque lançou a música Pare de tomar a pílula em plena campanha de controle da natalidade."
O primeiro contato entre os dois palestrantes foi em 1976, quando Nelson foi tutor legal de Lobão - para ele poder, aos 16 anos, participar como baterista de um show musical produzido por Marilia Pera, então mulher de Nelsinho. A sintonia entre os dois continua: ambos reclamam da falta de ambição de muitos músicos jovens e independentes:
"Hoje um laptop dentro de um banheiro tem mais recursos de gravação do que o estúdio de 1 milhão de dólares em que eu produzi um disco da Elis Regina nos anos 70. Ficou muito fácil gravar, então as pessoas têm obrigaação de apresentar um trabalho bom. Por outro lado, divulgar o trabalho ficou mais difícil. É por isso que as apresentações ao vivo ficaram mais caras, enquanto a música gravada está se desvalorizando."
O jornalista Luciano Trigo viajou a convite da organização.
Artigo, Literatura, Todas
(700) comentários » | Permalink
Antes mesmo da abertura oficial do Fórum, Lobão soltou o verbo, na sala de imprensa:
_ Independente não é uma atitude, é uma condição. É segunda divisão, é grupo de acesso. Ninguém consegue virar um Roberto Carlos, um Michael Jackson sendo indendente. Qual a graça de ser campeão da segunda divisão? Mas, no Brasil, ser independente virou uma atitude - e, o que é pior, uma atitude marrenta. Só no Brasil é assim. Lá fora, todos os meus ídolos, desde o começo da carreira, quando perguntavam o que eles queriam fazer, respondiam: "Ganhar muito dinheiro e comer muitas mulheres". Aqui, com a nossa culpa cristã, músico não quer ganhar dinheiro, que ser independente. No Brasil, roqueiro é comunista e religioso.