Política


Freada na Argentina - CELSO MING


O Estado de S.Paulo - 20/05/12


A conta das lambanças populistas das duas administrações Kirchner está chegando para a Argentina.

O momento não é somente de escassez e de fuga de dólares; é também de forte desaceleração da atividade econômica.

Até agora, podia-se dizer que, apesar de tudo - apesar da falta de crédito externo que se seguiu ao megacalote de 2001; apesar da manipulação tosca das estatísticas de preços; apesar da repressão dos preços e das tarifas; apesar do super-reajuste de salários e aposentadorias; e apesar do achatamento dos lucros do setor produtivo -, a Argentina vinha crescendo uma beleza: média de 8% ao ano desde 2003.

Não é o que acontece em 2012. Em vez de garantir avanço do PIB de pelo menos 5,0%, como vinham projetando organismos oficiais, as mais recentes estimativas são de que o resultado das contas nacionais neste ano poderá não ser positivo. Tende a ficar ao redor de zero por cento. Mesmo desse modo, as consultorias independentes vêm trabalhando com um crescimento do PIB ao redor de 3,0%.

O ex-secretário de Indústria do governo de transição do ex-presidente Eduardo Duhalde, Dante Sica, hoje à frente da consultoria Abeceb, explica que a economia argentina enfrenta forte deterioração fiscal - na medida em que despesas crescem muito acima da arrecadação. Os dispêndios públicos (que englobam os do governo central mais os das províncias) correspondiam, em 2001, a 21,9% do PIB. Já em 2011, saltaram para 38,17% do PIB. Somente os subsídios do governo argentino para cobrir o congelamento de tarifas das empresas públicas explicam 4 pontos porcentuais desse total.

Estatísticas oficiais de inflação apontam para elevação dos preços inferior a 10% ao ano, enquanto a inflação real ficou próxima dos 25% em 2011 e está sendo projetada para alguma coisa em torno dos 22% em 2012 (veja a tabela).

Para manter as aparências e impedir a disparada da inflação real, o governo não consegue desvalorizar o câmbio na mesma proporção em que a elevação dos preços tira força do peso. A população percebe o atraso no ajuste cambial e corre às tradicionais casas de câmbio para suprir-se de moeda estrangeira.

Assim, o câmbio paralelo vai ganhando força, mesmo com a ostensiva repressão do governo. Sexta-feira, por exemplo, enquanto o câmbio oficial apontava 4,47 pesos por dólar, o paralelo negociava a nada menos que 5,63 pesos por dólar - uma diferença de 20,6%.

No ano passado, a deterioração das finanças públicas, conjugada com a escassez de moeda estrangeira, levou o governo de Cristina Kirchner a queimar US$ 6,1 bilhões de seus reservas internacionais (12% do total) para cobrir despesas correntes - prática temerária em administração pública. Neste ano, para não provocar excessiva sangria nas reservas, a política prevalecente passou então a ser reter as importações e reforçar os controles de fluxos de moeda estrangeira.

Além dos problemas crônicos com achatamento da rentabilidade (efeito do tabelamento de preços e de tarifas), o setor produtivo argentino enfrenta alta generalizada de custos, especialmente de salários - reajustados mais ou menos de acordo com a inflação real.

O governo de Cristina Kirchner tem a seu favor a inapetência da oposição ou, mesmo, a falta de uma oposição organizada. Apesar da boa margem de votos (53%) obtida nas eleições do ano passado, quando Cristina foi reconduzida à Presidência, o descontentamento popular vai tomando corpo. Por enquanto, ela vem desviando a atenção do agravamento dos problemas com alguns lances de apelo nacionalista. O ressurgimento da questão das Malvinas e a expropriação da principal companhia de petróleo, a YPF, antes sob controle da espanhola Repsol, são os exemplos mais recentes.

Mas o agravamento da crise externa e a possível redução dos preços das commodities agrícolas (o principal segmento das exportações) devem agravar as dificuldades.



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