Política
"Avenida Brasil" - FERREIRA GULLAR
FOLHA DE SP - 28/10
Pretenderia o autor nos convencer de que quem não se torna bandido é babaca? Seria uma péssima lição
Faz muitos anos que uma novela de televisão não desperta tanto interesse do público noveleiro quanto esta "Avenida Brasil", cujo derradeiro capítulo foi ao ar na noite de sexta-feira, 19 deste mês.
De fato, a novela conquistou não apenas os aficionados do gênero, como muito mais gente, até mesmo quem nunca assiste a novelas. A coisa chegou a tal ponto que, segundo foi noticiado, a presidente Dilma determinou o adiamento do comício pela eleição de Haddad, em São Paulo, que deveria realizar-se na noite daquela sexta-feira, temendo que não fosse quase ninguém.
Outro indício, jamais registrado antes, desse interesse pela novela de João Emanuel Carneiro foi o pique de consumo de energia elétrica, logo após a exibição dos capítulos finais. É que o pessoal deixava de fazer qualquer coisa -desde cozinhar até tomar banho ou ligar o computador- para só fazê-lo após o fim do capítulo. A novela interrompia o curso da vida. Isso foi o que ouvi de um repórter
de televisão.
Qual a razão de tanto sucesso, admito não saber ao certo. Imagino muitas explicações mas, se arrisco uma delas, diria que é o tipo de dramaturgia adotado pelo autor. Uma das características do gênero é a morosidade da ação dramática, que resulta numa série de outras consequências.
A razão disso é que a novela tem que durar meses, o que obriga a um número fantástico de capítulos -esta, de que falamos aqui, teve nada menos que 179, transmitidos durante sete meses.
Defendo a tese de que toda dramaturgia não dura mais que uma hora e meia a duas horas. Essa é a duração de quase todos os filmes e peças teatrais. Não existe dramaturgia para durar sete meses.
Em função disso, os nossos telenovelistas são obrigados a criar histórias paralelas, que se mesclam à história principal, tudo com o propósito de fazer com que a novela dure tanto. Isso, como já disse, faz com que a ação dramática se torne prolixa e lenta.
Essa lentidão não houve na "Avenida Brasil". Pelo contrário, nela, a ação dramática era sempre intensa, e isso se deveu ao fato de que, a cada capítulo, inesperados conflitos surgiam envolvendo os diferentes núcleos e os muitos personagens.
O preço pago pelo autor, por lançar mão de tais recursos, foi a implausibilidade de certas situações e a incoerência de atitude dos personagens, mas que João Emanuel, com sua competência, conseguiu muitas vezes superar, ganhando pelo menos a tolerância do telespectador.
É certo que, apesar dessa originalidade, em comparação com a forma dramatúrgica comumente adotada nas telenovelas, João Emanuel também se valeu de um recurso usado por todos os teledramaturgos desde o sucesso obtido pela vilã Odete Roitman (1988). Não por acaso, a execrável Carminha se tornou a principal agente da ação dramática de "Avenida Brasil".
Neste ponto, esta novela só difere das demais pelo grau de vilania e crueldade que atribuiu à personagem. Aliás, nisto, ela é quase imbatível, já que quase todos os personagens são de uma sordidez sem limites. Com a agravante de que os que escapam disso -que não matam, não traem, não subornam nem se deixam subornar- são idiotas ou tolos, como Tufão, marido de Carminha, o corno manso por excelência.
Para minha surpresa, ouvi num debate de televisão que o êxito de "Avenida Brasil" se deve ao fato de ser ela o retrato verdadeiro da nossa sociedade. Se isso é correto, moro em outro país sem o saber, já que as pessoas com quem convivo e as famílias que conheci ao longo de minha vida -e bota vida nisso- nem de longe se parecem com os personagens criados por nosso brilhante teledramaturgo.
Certamente li nos jornais e ouvi contarem histórias escabrosas, implicando traições, homicídios e falcatruas, mas nunca na escala em que nos mostrou a novela, onde todo mundo é bandido ou babaca. Pretenderia o autor nos convencer de que quem não se torna bandido é babaca? Seria uma péssima lição.
Mas não se trata disso. Novela é ficção, não é a realidade, nem poderia ser. Como se sabe, a arte existe porque a vida não basta. E os bons sentimentos não dão boa dramaturgia. Haja vista o último capítulo da novela.
loading...
-
Reforçado O Sistema Elétrico Para Final De 'avenida Brasil'
Informações do G1: O sistema elétrico brasileiro está se preparando para um aumento na demanda de energia em todo o país na noite desta sexta-feira (19), por conta da exibição do último capítulo da novela Avenida Brasil.Dados do Operador Nacional...
-
Reflexos De "avenida Brasil"
Notas publicadas no blog e nas colunas de Ancelmo Gois em "O Globo" nos últimos 6 dias: O samba carioca faz sucesso, a Lapa está bombando, mas, até entre sambistas, só se fala em... “Avenida Brasil”.Teresa Cristina, a cantora, num show que fará...
-
Carminha Dispara Consumo De Energia
Do site do jornal "O Globo": "Nem o sistema elétrico ficou imune à Carminha, personagem interpretada por Adriana Esteves em “Avenida Brasil”. Como revelou a colunista do GLOBO Flávia Oliveira nesta quinta-feira, o capítulo 169 da novela, quando...
-
Momento "nelson Rubens"
. Marcos Caruso: "Leleco levantou a autoestima dos homens maduros" Do:uol Com quase 40 anos de carreira e vivendo mais uma vez o prazer do reconhecimento nacional pela interpretação do cômico machão suburbano Leleco da novela Avenida Brasil, o veterano...
-
O Fim De Avenida Brasil - Arnaldo Jabor
http://moglobo.globo.com/ Saudades antecipadas da novela, um buraco novo na teledramaturgia| O Globo Arnaldo Jabor O colunista escreve às terças-feiras Que saudades vou ter do Leleco, do Tufão, das peruas do subúrbio, gritadeiras e barraqueiras, que...
Política