a Avenida Spinola
Política

a Avenida Spinola


Sinto que apenas haverá soldados e marinheiros vitoriosos ou mortos” (Salazar, na exortação à defesa da Índia portuguesa, 1959)

Andam por aí os utentes da auto-estrada Soares/Cavaco meio escandalizados com a novel vassalagem toponímica do Portugal reaccionário ao velho marechal do golpe de 11 de Março de 1975 – que diacho, o marechal do Monóculo apenas chefiou o Movimento Terrorista que, segundo a cronologia do livro de Eduardo Dâmaso, executou apenas cerca de 400 atentados bombistas (1). Mas não será por isso que se tornou famoso… nem por arranjar emprego ao seu delfim operacional, Ramiro Moreira, na filial espanhola da empresa pública portuguesa Petrogal. Os tempos mudam…

Não é estranho que as tais almas carpideiras meio sonsas tenham pago as portagens e metido-se a caminho sem cuidar de saber onde iam desembocar as vias rápidas do 25 de Novembro?... ou não conhecem a génese maçónica da Europa das potências capitalistas (BCE), que empresta um ovo para cobrar uma galinha (2) ou fingem desconhecer o percurso colonial e parasitário do “bom povo português” – "um império benigno para o indígena", segundo Gilberto Freyre, que passou a “regiões autónomas” com Caetano, Spínola e Adriano Moreira (3), onde todos eles subcreveriam de bom grado a mudança da herança do Portugal Colonial para… “Estados Unidos Portugueses” (4).

Um Homem do Regime Colonial Fascista

Desde 1969 que Spínola mantinha conversações secretas com “os terroristas” do Movimento de Libertação da Guiné (PAIGC), tendo como mediador o presidente do Senegal. Na última dessas reuniões em Capskirring (em 18 de Maio de 1972) com as tropas portuguesas cercadas e imobilizadas no terreno, Spínola enviava um relatório para Lisboa onde dizia que se previa um desastre militar a curto prazo, sendo a única solução a negociação. Finalmente chegou-se a um acordo para a autodeterminação da Guiné-Bissau num período de 10 anos, continuando Spínola como governador e Amílcar Cabral como secretário-geral da província nesse período de transição. Caetano respondeu-lhe que “era preferível sair da Guiné por uma derrota militar com honra, a um acordo negociado com os terroristas”. Em Maio de 1973 o PAIGC obriga a guarnição do quartel de Guilaje a fugir. Depois deste êxito a acção da guerrilha alargou-se a todo o sul com a operação Nô Pintcha atacando Guidaje, Bejene, Binta e arrasando vários acampamentos. Em Gadamael, após contínuos bombardeamentos, e sem poder recorrer a apoio aéreo com receio dos mísseis Strella, o quartel ficou completamente arrasado e os soldados tentaram várias vezes desertar, e só não o fizeram perante a chegada imprevista do general Spínola que os ameaçou com a execução. (5)
Com a certeza de uma eminente derrota militar, Spínola regressa a Lisboa em Agosto de 1973, sendo substituído pelo general Bettencourt Rodrigues. A guarnição do quartel de Copa caiu a 13 de Fevereiro de 1974. Dias depois uma poderosa bomba explodia no governo militar de Bissau e uma granada num café da capital, provocando 1 morto e sessenta e três feridos. A guerrilha urbana fazia a sua aparição.

Guiné, a dois meses do 25 de Abril

O germe da contestação militar surgiu na Guiné quando Spínola viu que a insistência em preservar a politica do governo conduzia inexoravelmente a uma derrota vergonhosa. (6). Em meados de 1973 surgiu a ideia de realizar o Congresso dos Combatentes do Ultramar (que viria a ter lugar no Porto em Junho), sendo uma manobra da extrema direita com a estratégia de ataque ao governo de Caetano, acusando-o de ser fraco e de estar a adulterar os ideais do 28 de Maio de 1926: “a Pátria não se discute, defende-se (…) queremos uma politica que confirme e garanta o nosso esforço de mobilização (…) Há duas leis? Uma para os terroristas das fronteiras de África e outra para os da rectaguarda? Se na rectaguarda não há lei contra os novos traidores á pátria, faça-se essa lei” (7)

Face à previsivel derrocada das suas perspectivas de vida profissional, um grupo de 400 oficiais do quadro permanente de serviço na Guiné, discordaram da representatividade do Congresso e redigiram um Manifesto, em que estiveram envolvidos Firmino Miguel e o major Ramalho Eanes. Sob a direcção destes, vários técnicos de comunicação começaram a trabalhar na promoção da imagem mediática de Spínola: “Decidimos acabar com este governo que não tem legitimidade nenhuma e procurámos fazer que a nossa acção militar na Guiné prestigiasse de tal maneira o general Spínola que quando este acabasse a sua comissão e regressasse à metrópole o governo se visse obrigado a colocá-lo num lugar destacado, de onde ele pudesse continuar a ordenar as suas peças no tabuleiro, para que quando tivesse forças suficientes pudesse realizar um golpe de Estado palaciano” (8). Foi uma mescla destes dois grupos de militares que consubstanciaram o movimento dos capitães que saíram à rua no dia 25 de Abril. E Spínola foi colocado na Presidência da 3ª República, ou do 2º Estado Novo, consoante a perspectiva.

Nenhuma das duas facções do MFA servia os interesses do povo. Pressionados pelas movimentações populares, ao fim de pouco mais de um ano, de Abril/Maio de 1974 a 25 de Novembro de 1975, o Regime recondicionou-se no seu caminho ao serviço do grande capital financeiro internacional com interesses nas colónias portuguesas. Passados 35 anos reconhece-se António de Spínola como um dos seus “heróis” na instauração do neocolonialismo. A Guiné-Bissau, sem recursos, é hoje um Estado pária, Angola está subjugada pela dependência económica e pela corrupção; e Mozambique converteu-se de novo em colónia integrada na Commomwealth britânica. A tropa portuguesa profissionalizou-se, “terroristas” não faltam, e o negócio está a funcionar em pleno. Por alguma razão Portugal é escolhido para sedear a Cimeira da Nato. Claro que Soares anda feliz da vida com a "oposição" que tem. Vitoriosos e mortos o designio de Salazar cumpriu-se. A homenagem a Spinola na óptica neofascista é merecida. Mas, excepto para a inflacionada brigada dos generais, nada disto tem a ver com os interesses do quase extintopovo português” (9).

















(1) Eduardo Dâmaso, "A Invasão Spinolista", Edit. Fenda 1997
(2) Quando a ingovernabilidade do país na 1ª República o incapacitaram para administrar as colónias, a Alemanha e a Inglaterra negociaram um acordo em 1913 que, se se concretizasse, teria significado a partilha de todo o Ultramar português entre eles.
(3) Entrevista por Josep Sànchez Cervelló, em 14 de Abril de 1986
(4) ver o livro “As Circunstâncias do Estado Exíguo
(5) Entrevista com A. Spínola em 18 de Novembro de 1985, referida no livro “A Revolução Portuguesa e a Sua Influência na Transição Espanhola” (Assírio e Alvim, 1993)
(6) Marcello Caetano, “Depoimento” Ed. Record, Rio de Janeiro, 1974
(7) Tese do Congresso dos Combatentes: “Nós nunca seremos a geração da traição”
(8) Entrevista com o tenente-coronel Carlos Fabião em 9 de Dezembro de 1985
(9) Spinola pediu a invasão espanhola em 1974: http://www.areamilitar.net/noticias/noticias.aspx?nrnot=247
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