A coleção da princesa Isabel
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A coleção da princesa Isabel


O álbum da princesa

A descoberta da coleção da princesa Isabel, 
com 1 200 imagens, abre nova frente de estudos
sobre a fotografia brasileira do século XIX


Lucila Soares

 

Fotos divulgação
RARIDADES ESCONDIDAS
A consagração da princesa Isabel, por Marc Ferrez, pioneiro no uso do flash, e fotografia de dom Obá (à dir.), inédita: coleção guardada por mais de um século


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• Imagens das obras

A paixão de dom Pedro II pela fotografia é conhecida, e resultou num tesouro. Na Coleção Teresa Cristina Maria, depois doada à Biblioteca Nacional, o imperador reuniu 2 500 imagens, quase sempre feitas pelos maiores fotógrafos em atividade no Brasil. Até hoje esse conjunto, que faz parte de um acervo de 25 000 fotos, mapas, documentos e livros ainda não inteiramente catalogado, é a grande referência da fotografia brasileira do século XIX, tendo sido incluído no Registro da Memória do Mundo, da Unesco. A existência dessa coleção monumental tornava remota a chance de se descobrir um outro acervo significativo ligado à família imperial. Daí a surpresa do achado que agora vem a público pelas mãos dos pesquisadores Bia e Pedro Corrêa do Lago. São 1 200 fotografias, a maioria em bom estado de conservação e muitas inéditas, que pertenceram à princesa Isabel e a seu marido, o conde d’Eu. Entre as inéditas, destaca-se a foto de dom Obá II d’África, como ficou conhecido Cândido da Fonseca Galvão, figura das mais curiosas do século XIX, que comparecia às audiências públicas de dom Pedro II como se fosse um governante estrangeiro.

A descoberta tem algumas características que a tornam particularmente interessante. A principal é que as imagens ali reunidas formam uma coleção. Ou seja, compõem um acervo construído ao longo de anos, seguindo as afinidades e preferências de seus donos. Como não poderia deixar de ser, boa parte são fotos de família, com muitas cenas domésticas, interiores das residências imperiais do Rio de Janeiro e de Petrópolis, e registros até de animais de estimação. Nessa rubrica, há imagens que têm pouco a ver com as que aparecem nos livros de história. Dom Pedro II aparece com a barba aparada e os cabelos curtos e escuros; a princesa Isabel tem cachos e parece uma menina comum, vestida de xadrez na varanda de casa. Ainda na temática familiar, destacam-se uma foto com um retoque que o tempo tornou evidente para afinar-lhe a silhueta e a imagem colorida feita na França, com a família no exílio, já em pleno século XX.

As ocasiões oficiais também têm belos registros, como a foto que abre esta reportagem. Trata-se de imagem do Te Deum na catedral do Rio de Janeiro, de autoria de Marc Ferrez, feita por ocasião da aclamação da princesa como regente, em 1887, pela terceira (e última) vez. Além da beleza e da riqueza de detalhes, a fotografia tem importância por ser, possivelmente, a primeira produzida no Brasil com flash de magnésio, o que se constituía em grande inovação tecnológica. A abolição da escravatura, por motivos óbvios um tema caro à princesa, merece um álbum inteiro feito por Antônio Luiz Ferreira. É uma reportagem de treze fotos, que começa com a votação da Lei Áurea no Senado, imagem conhecida apenas por poucos iniciados num país onde a lembrança da abolição está associada à clássica gravura em que a princesa Isabel assina a lei num cenário cheio de alegorias. E segue com as comemorações nas ruas. "É uma revolução no campo da fotografia brasileira oitocentista", atesta o historiador José Murilo de Carvalho, autor da esplêndida biografia de dom Pedro II lançada no ano passado, que assina o prefácio.

Todas as fotos serão publicadas no livro Coleção Princesa Isabel (432 páginas, 190 reais), a ser lançado na semana que vem pela Editora Capivara, com texto de Pedro e Bia Corrêa do Lago e apresentação de Thereza Maria de Orléans e Bragança, última neta viva da princesa Isabel. A seu pedido, ela não aparece no livro como a guardiã desse tesouro, que começou a ser formado em 1860 e acompanhou a princesa e o conde em seu exílio europeu até a morte dos dois, nos anos 1920. Mas os estudiosos concordam que dona Thereza Maria é a única pessoa da família em cujo poder seria possível existir ainda um conjunto com essas características.

O livro oferece ao leitor não especializado um delicioso passeio pelo século XIX. Para os estudiosos do período, no entanto, a descoberta é o começo de uma história. Fazem parte do acervo os maiores fotógrafos que atuavam no Brasil – como Ferrez, Revert Henry Klumb, Augusto Stahl, Alberto Henschel, Georges Leuzinger, Juan Gutiérrez, Augusto Malta – e também profissionais menos conhecidos. Estão listados nominalmente 38 deles, mas no total a obra registra o trabalho de setenta fotógrafos. "É uma descoberta que reforça a necessidade de aprofundar o conhecimento sobre a fotografia brasileira", diz Corrêa do Lago. Para Joaquim Marçal, um dos maiores especialistas no tema e profundo conhecedor da Coleção Teresa Cristina Maria, as imagens da coleção são como novas janelas. "A partir delas, será possível revisitar alguns fatos e acrescentar detalhes enriquecedores à nossa história", afirma.

TRÊS TEMPOS DA FOTOGRAFIA
A princesa, o conde d’Eu, os dois filhos e suas esposas na França, em rara imagem colorida; a votação da Lei Áurea, em foto jornalística; e congada em Minas: registros da família imperial e da vida do Brasil



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