A consagração da farra fiscal O Estado de S.Paulo EDITORIAL
Política

A consagração da farra fiscal O Estado de S.Paulo EDITORIAL



25 Novembro 2014 

O Congresso poderá aprovar nos próximos dias um projeto de lei para sacramentar a irresponsabilidade fiscal ou, em linguagem mais corrente, o uso incompetente e populista do dinheiro público. Qualquer buraco apontado no balanço das contas públicas deste ano será considerado aceitável, formalmente, se a maioria dos parlamentares aceitar, como pretende o governo, a alteração da Lei de Responsabilidade Fiscal (LDO) de 2014. Em sua proposta, o Executivo pede autorização para abater investimentos e desonerações, sem limite, da meta de superávit primário fixada para o ano. O relator do projeto, senador Romero Jucá, ainda tornou o texto mais permissivo, ao trocar a expressão "meta de superávit" por "meta de resultado", aplicável a qualquer número, positivo ou negativo.

A Comissão Mista de Orçamento (CMO) reuniu-se ontem à noite para retomar a análise do projeto. Avalizado o texto pela comissão, o plenário poderá votá-lo hoje, segundo o plano de trabalho anunciado na quarta-feira passada pelo presidente do Congresso, senador Renan Calheiros (PMDB-AL).

Com a aprovação do projeto, o Executivo ficará dispensado de qualquer novo truque para maquiar o balanço das contas federais e fingir o cumprimento da meta - ou, no mínimo, para apresentar um resultado melhor que o real. O pessoal do Tesouro tem recorrido habitualmente à contabilidade criativa, nos últimos dois anos, para inflar o superávit primário, o dinheiro separado para o pagamento de uma parte dos juros da dívida pública.

A meta fixada na LDO foi um resultado primário de R$ 116 bilhões para o governo central, com possibilidade de abatimento de R$ 67 bilhões. Isso daria um saldo de R$ 49 bilhões.

No começo do ano o governo decidiu aproveitar apenas em parte essa possibilidade e escolheu como objetivo um superávit primário de R$ 80,8 bilhões para o conjunto formado por Tesouro, Banco Central e Previdência. Mas o resultado em nove meses foi um déficit primário de R$ 19,47 bilhões, calculado pelo critério das necessidades de financiamento. Não se espera, agora, nem a meta original - R$ 49 bilhões, depois dos descontos. Por isso o projeto de alteração da LDO extingue o limite dos abatimentos.

O PT e os partidos aliados têm maioria para aprovar o projeto do Executivo sem muita dificuldade, se os seus parlamentares estiverem dispostos a sacramentar a irresponsabilidade fiscal. Esse resultado será inevitável, se a base governista se comportar como na maior parte dos últimos 12 anos.

Mas, apesar de majoritária também na CMO, a base governista foi incapaz, em duas sessões, de aprovar o relatório do senador Romero Jucá. Nenhuma das duas sessões foi propriamente edificante.

A de quarta-feira passada foi marcada por gritaria e baixaria. Os parlamentares da base tentaram impor seu peso e conseguir rapidamente a aprovação do relatório. Os oposicionistas protestaram contra a quebra do regimento e exigiram a leitura da ata da reunião anterior. No momento mais tenso, o líder do DEM na Câmara, deputado Mendonça Filho (PE), arrancou um documento da mão do relator.

O relatório foi aprovado, mas no dia seguinte a oposição ameaçou recorrer ao Supremo Tribunal Federal para anular a sessão. O presidente do Congresso, senador Renan Calheiros, concordou com a anulação.

Uma segunda sessão foi instalada no mesmo dia, mas o presidente da Comissão, deputado Devanir Ribeiro (PT-SP), escorregou, no final, ao dar o relatório como aprovado por 15 a 7. O deputado Mendonça Filho de novo interferiu, lendo o regimento. A vitória dependeria de 18 votos, metade mais um dos integrantes da comissão. A decisão foi adiada.

Os tropeços em relação ao regimento, na CMO, combinam bem com o tema em debate - a autorização para o Executivo descumprir a LDO e ficar livre, neste exercício, de qualquer compromisso em relação ao superávit primário. Aprovado o projeto, estará criado o precedente para outras lambanças do mesmo tipo - talvez piores. Afinal, quem, de fato se preocupa, em Brasília, com essa incômoda responsabilidade fiscal?




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