A Europa que queremos
Política

A Europa que queremos



Há duas semanas escrevi sobre a Europa que temos. Com a crise instalada, a União Europeia conseguiu demonstrar as suas mais estruturais limitações. Os cidadãos sentiram na pele, sobretudo no sul da Europa, os problemas causados pela moeda única, limitando a capacidade de resposta dos países em períodos de elevada instabilidade financeira. Ficámos também a perceber que o tão proclamado Estado Social Europeu, assumido sempre como traço identitário da Europa, é rapidamente considerado supérfluo e excedentário em períodos de crise. Por último, os cidadãos compreenderam da pior maneira que a solidariedade entre países europeus é muito frágil ou quase inexistente. A União parece preferir que os mais frágeis caiam do que entrar seriamente em sua defesa e apoio nos momentos mais críticos.

Como diversas vozes têm vindo a apontar um pouco por todo o lado, o sentimento anti-Europeu está hoje a conseguir penetrar em setores considerados pouco prováveis há uns anos atrás. Mesmo em eleitorados tipicamente mais entusiastas do projeto europeu, surgem hoje mais dúvidas do que nunca quanto à sua viabilidade. As vantagens do projeto europeu nunca pareceram tão pouco evidentes como agora.

Mas é sobretudo nestes momentos de crise e de alguma turbulência que maior clareza se exige dos diversos projetos, não sendo a Europa uma exceção a este respeito. É precisamente quando as suas fragilidades se tornaram tão claras, quando tudo parece prestes a desmoronar-se, que deve ser exigida determinação ao projeto europeu, e não necessariamente o seu abrandamento ou recuo. Alguns procurarão, e legitimamente, encontrar nas fragilidades a demonstração da impossibilidade ou inconveniência do projeto. Outros, com certeza mais europeístas, encaram as presentes fragilidades como uma demonstração do aprofundamento e consolidação que necessitam de ser feitos. Encontro-me entre estes últimos.

Destaco três dimensões que a presente crise europeia veio tornar ainda mais urgente do que nunca consolidar. Em primeiro lugar, o tipo de modelo económico que pretendemos consolidar a nível europeu. Se o Estado Providência sempre foi assumido como uma das maiores criações e traços identitários do modelo económico-social europeu, importa que a Europa não seja neutra perante esta realidade. Pelo contrário, deverá integra-la na carta de direitos fundamentais que contratualiza com os seus cidadãos. A Europa deverá encarar o modelo social europeu como um dos pilares estruturantes do seu contrato social

Em segundo lugar, porque e nitidamente ligada à dimensão acima, a Europa deverá defender uma regulação internacional dos mercados financeiros que garanta que os Estados não são tão descaradamente sequestrados como vimos nos últimos anos. Enquanto grande ator da cena internacional, enquanto um dos maiores mercados do mundo, a Europa deverá ser capaz de levar este seu tipo de posicionamento além-fronteiras, defendendo afincadamente a prometida regulação que tanto teima em não chegar.

Por último, e não menos importante, a Europa tem de rapidamente encontrar um modelo de governação que garanta que o poder está democraticamente sujeito à vontade dos seus cidadãos. Assistimos, durante este período de crise, a lideranças não escrutinadas, a demasiadas decisões que não passaram pelo cunho eleitoral. É com certeza preferível dar mais um passo rumo ao federalismo europeu, por exemplo com a eleição direta de um presidente da Comissão o do Conselho Europeu, do que nos mantermos neste modelo onde lideram os Estados mais fortes, como se tem visto neste reinado de Merkel.

Estes não são tempos de decisões fáceis. Se calhar aqui sim devemos olhar a crise como uma importante oportunidade de mudança, de melhor construirmos a Europa que queremos. 

Artigo hoje publicado no Açoriano Oriental




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