A fantasia de ver a crise como solução Rogério L. F. Werneck
Política

A fantasia de ver a crise como solução Rogério L. F. Werneck



O Estado de S. Paulo - 19/08/2011




Para nova crise, discurso novo. Alguma coisa o governo aprendeu com 2009. Já não fala em marolinha. A presidente Dilma Rousseff tem externado com franqueza sua apreensão com a deterioração do quadro externo. E o ministro Guido Mantega tem dito que o País deve estar preparado para uma crise longa. Dão mostras de estar convencidos de que, nas atuais circunstâncias, não faz sentido tentar tapar o sol com peneira e iludir a opinião pública com um discurso róseo, descolado da realidade. O que preocupa é que uma análise mais cuidadosa sugere que, em meio a esse discurso inegavelmente mais realista, subsiste no governo uma visão um tanto fantasiosa de que a crise pode vir a ser a solução que faltava para corrigir anomalias básicas da economia brasileira.

O agravamento da crise fiscal na Europa, em conjunção com os desdobramentos da perda de racionalidade da ação coletiva nos Estados Unidos, imposta pela escalada de radicalização política, vem dando alento a cenários cada vez mais pessimistas sobre a evolução do ambiente externo. E se, de fato, a economia mundial entrar em nova e prolongada desaceleração, como se teme, isso deverá estreitar em muito as possibilidades da economia brasileira. Quanto a isso, é bom não ter ilusões. No entanto, têm surgido na mídia, nas últimas semanas, análises supostamente baseadas em fontes oficiais, dando conta de que o governo alimenta a esperança de que, com a nova crise, o País possa, afinal, conseguir o realinhamento de juros e câmbio que há muito se faz necessário. Passada a borrasca, a taxa de juros terá sido substancialmente reduzida e o real estará bem menos apreciado.

Há, aqui, uma distinção importante a ter em conta. É perfeitamente possível que o governo, afinal, se disponha a mudar o atual regime fiscal para abrir espaço para uma redução estrutural na taxa de juros e uma taxa de câmbio menos apreciada. Mas é pouco provável que a crise facilite as mudanças que se fazem necessárias. A menos que o simples acompanhamento, a distância, dos dramáticos desdobramentos da crise fiscal europeia seja capaz de disseminar entre nós - no governo e na sociedade - visão mais lúcida do que precisa mudar por aqui. É até possível. Mas, por enquanto, pouco provável.

Bem distinta é a esperança do governo de que a crise abra a oportunidade para um realinhamento duradouro de juros e câmbio, sem mudança no regime fiscal. O governo promete apenas "manter a conduta fiscal", pressupondo, claro, que ela já seja adequada. Não vê problema em continuar mantendo um gigantesco orçamento fiscal paralelo no BNDES. Na nova Lei de Diretrizes Orçamentárias, a presidente vetou a exigência, introduzida no Senado, de que as transferências diretas de recursos que o Tesouro vem fazendo ao BNDES passem a ter de ser autorizadas pelo Congresso. E a ministra do Planejamento já advertiu que o governo não pretende ampliar o aperto fiscal. O que se dispõe a fazer é evitar que o quadro fiscal se deteriore, na esteira de aprovação de projetos irresponsáveis de expansão de gastos no Congresso ou da concessão de reajustes salariais despropositados no setor público federal.

Nada disso configura mudança de regime fiscal. A arrecadação federal continua crescendo vertiginosamente. Nada menos que 12,7%, em termos reais, no primeiro semestre. Algo equivalente ao triplo da taxa de crescimento do PIB. E é bem sabido que a rápida expansão de gastos públicos continua ocupando lugar central no projeto político do governo. Nesse quadro, é pouco provável que a sobrecarga que hoje recai sobre a política monetária possa ser repassada à política fiscal. E, sem isso, é difícil vislumbrar espaço para queda duradoura da taxa de juros.

O que sobra é um estranho e fantasioso contorcionismo mental, em que o governo de um país exportador de commodities sonha com uma queda acentuada de preços de commodities que, com toda a depreciação cambial que possa causar, ainda deixe espaço, no combate à inflação, para uma redução considerável da taxa de juros.



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