A reforma tributária em tramitação na Câmara não desonera
o contribuinte mas pode desembaraçar a selva de impostos
Raquel Salgado
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O projeto de reforma tributária aprovado na semana passada por uma comissão da Câmara dos Deputados é o primeiro com chance de ser aprovado desde 1988, quando foi promulgada a atual Constituição. O assunto é árduo. Mas, como mexe com o bolso de todos, é melhor tentar entendê-lo. O primeiro passo para isso é não se assustar com a selva de siglas cujo significado é bem menos assustador. Tome-se, por exemplo, a sigla que é a viga central de sustentação do projeto de reforma. Ela se chama e significa imposto sobre valor adicionado. A idéia básica do projeto é que o IVA substitua uma série de outros tributos federais, taxas e contribuições que serão suprimidos. Para abrir lugar ao IVA, sumiriam a contribuição para o financiamento da seguridade social e o Programa de Integração Social . Essa troca de dois por um está alinhada com o objeto geral do projeto, a simplificação, e com o que há de melhor em sistema tributário no mundo. Mas falta ousadia. Em vez de dois por um, o IVA poderia ter incorporado também pelo menos outros tributos, como o imposto sobre circulação de mercadorias e serviços , o imposto sobre produtos industrializados e o imposto sobre serviços . Nesse caso, a troca seria de cinco por um, e estaríamos mesmo a caminho da modernização tributária brasileira. Por que os legisladores não foram ousados o bastante para dar esse passo? Entra aqui o ditado de que o ideal é inimigo do bom. Pela avaliação dos autores do projeto, não haveria condições políticas de unir em um único IVA federal um imposto estadual (ICMS), outro federal (IPI) e mais um municipal (ISS). Para aumentar a chance de aprovação no plenário da Câmara, eles optaram por um IVA menos eficiente, mas menos polêmico.
Como tentativa de simplificar a selva tributária brasileira, o projeto de reforma é muito bem-vindo. Seu texto prevê uma medida há muito reclamada pelas empresas brasileiras, a fusão da contribuição social sobre o lucro líquido com o imposto de renda de pessoa jurídica. Ambos são pagos atualmente com base no lucro obtido pelas empresas. A fusão facilitaria bastante a vida das empresas, que hoje se vêem obrigadas a manter grandes e custosos departamentos apenas para cumprir suas obrigações com o Fisco. Talvez a mais esperada das mudanças tributárias ensejadas pelo projeto seja a que reduz de 20% para 14% a alíquota da contribuição patronal sobre a folha de pagamento dos trabalhadores. Parece, à primeira vista, uma rendição ao lobby da classe empresarial, mas é uma medida especialmente benéfica para todos os brasileiros por seu poder de incentivar a contratação, inibir as demissões e contribuir para a diminuição da informalidade e do desemprego. Também pertence ao campo das boas iniciativas a criação de um gatilho para evitar a explosão da carga tributária. Isso não significa que os brasileiros deixarão de trabalhar cinco meses por ano apenas para pagar impostos. Mas, pelo projeto, se a carga crescer mais que 5% ao ano, as alíquotas do IVA federal cairão automaticamente – embora tributaristas como Ives Gandra considerem a medida inaplicável. "A economia do país certamente crescerá mais do que o previsto se a reforma for aprovada", diz Bernard Appy, secretário de reforma tributária.
Será aprovada? Nem os mais otimistas esperam que o projeto saia das discussões em plenário com a mesma cara que entrou. Espera-se que, pelo menos, sua alma simples não seja deformada. As dificuldades para sua aprovação são evidentes. Apesar de todos os méritos, o projeto vai provocar mais calor do que luz no plenário. É heróica, por exemplo, a tentativa de acabar com a atual guerra travada entre os estados para dar descontos e até isenções a investidores como forma de atraí-los para suas regiões – o que muitas vezes turva a lógica negocial dos empreendimentos e resulta em poucos benefícios sociais e econômicos para a população. A reforma unifica as 27 leis estaduais de ICMS, tirando, assim, a munição dos governadores na guerra fiscal. Além disso, o projeto prevê a transferência da cobrança do tributo do estado onde os bens são produzidos para o local onde eles são consumidos. A bancada paulista já afia as facas para impedir essa mudança. A iniciativa joga o custo da reforma sobre São Paulo, o estado que mais contribui com a União e, proporcionalmente, o mais mal aquinhoado na divisão dos recursos. Como toda reforma tributária, a atual terá de arbitrar quem perde e quem ganha. Foi justamente o que derrotou todas as tentativas anteriores.