A eleição de Barack Obama e a Cúpula do G-20 sinalizam o ingresso da comunidade internacional num mundo novo, que é o das realidades e dos desafios do século 21. Se a maioria dos historiadores coincide em considerar a queda do Muro de Berlim como o fim do século 20, a transição para o novo século foi possivelmente prolongada pelas políticas e ações militares de oito anos do governo Bush, que pareciam mais consentâneas com uma visão da segunda metade do século passado do que com os novos cenários do século 21. Com a escolha de Obama, os eleitores norte-americanos passaram a mensagem de que valores e aspirações que pareciam ter submergido reemergiram com vitalidade para reafirmar a vontade da nação em assumir-se efetivamente como multiétnica, multicultural e multirreligiosa, assim como sua confiança em que seus ideais e interesses serão mais bem atendidos pelo diálogo e pela concertação internacional, em vez do recurso abusivo à força. A Cúpula do G-20 em Londres, por sua vez, evidenciou, embora por vezes de modo simbólico, que a primeira crise global trazia em seu bojo uma nova geografia econômica. Os EUA continuarão a ser uma potência econômica dominante, pelo avanço tecnológico, pela competitividade da economia e pelo dinamismo e tamanho do seu mercado. Mas seu peso relativo já é menor. Após a 2.ª Guerra Mundial, a economia americana representava mais da metade do PIB mundial. Hoje corresponde a menos de um quarto. Em poucas décadas, a China poderá alcançar um produto semelhante ao norte-americano. Mas não só a China. Segundo dados de organismos internacionais, entre os membros do G-20, 15 deverão ter recessão em 2009, inclusive o Brasil. Só 5 apresentarão crescimento positivo e as mais altas taxas serão das economias asiáticas: China (6.3%), Índia (4,3%) e Indonésia (3,4%). Em outras palavras, o centro dinâmico da economia mundial desloca-se rapidamente para a Ásia. Os EUA continuarão a ser a força política hegemônica na cena mundial. O seu desafio estratégico, assim como o da Europa, será acomodar a emergência da China - primeiro econômica, à que já estamos assistindo, e, em seguida, política. A China indicou que já começa a exercitar os seus músculos nos foros internacionais, onde antes primava por eloquente silêncio. Não se limitou a admoestar os EUA sobre a fragilidade de sua moeda, mas a propor a progressiva substituição do dólar por uma cesta de moedas. Se a emergência da China é indiscutível, o entendimento entre as duas potências será indispensável para o encaminhamento de importantes temas da agenda internacional, o que leva muitos analistas a preconizar a inevitabilidade de um G-2. A Europa tem todas as credenciais para ter assento à mesa dos grandes. Mas enfrenta o chamado problema do telefone. No caso de crise ou necessidade, a quem chamar na Europa? O Comissário Europeu, a Grã-Bretanha, a França ou a Alemanha? Em outras palavras, a Europa não poderá ser plenamente ouvida enquanto não for capaz completar a sua institucionalização política. A crise impôs o reconhecimento da relevância do heterogêneo grupo dos emergentes, pelo peso das suas economias e por seu papel enquanto líderes regionais. Em vez de árdua discussão para a ampliação do G-8, a solução encontrada, inclusive pela pertinência da instituição nos temas da crise, foi levar o G-20 ao centro da cena. Resta saber se essa centralidade será definitiva ou apenas temporária, enquanto dure a crise. Se as passagens da declaração do G-20 relativas a comércio e redução da pobreza reiteram aspirações legítimas, mas de reduzido impacto, pelo menos no curto prazo, o capítulo sobre a governança nas instituições internacionais registra avanços. Foi revogada a regra não escrita de que o diretor do FMI e do Banco Mundial precisa ser europeu ou americano, mas a legítima pretensão dos países emergentes para uma revisão da ponderação de votos foi adiada para 2011, quando a pressão por mudança já poderá ter arrefecido. A ênfase dada à green recovery poderá ter um alcance efetivo no cenário pós-crise. A posição do governo Obama no tema das mudanças climáticas deverá viabilizar a conclusão de um acordo em substituição ao Protocolo de Kyoto. O novo tratado terá assim dentes, não apenas pela fixação de metas para a redução de emissão de gases de efeito estufa, mas por legitimar a adoção de sanções contra os setores produtivos que emitem tais gases - o que trará os incentivos para a inovação tecnológica - e a ampliação da certificação, pela qual os consumidores rejeitam os bens e serviços contaminados pelo desrespeito ao esforço global de contenção das mudanças climáticas. A nova geopolítica não resultará só dos deslocamentos na economia e da progressiva vertebração da sociedade, como no caso do meio ambiente. Dominique de Moisi, um dos mais lúcidos analistas da cena internacional, em recente e instigante livro, chama a atenção para a "geopolítica da emoção", que se manifesta em situações tais como o medo do terrorismo, a humilhação nas nações muçulmanas ou a esperança entre os emergentes, particularmente na China e na Índia, com crescente influência sobre as decisões internacionais. Por fim, vale sublinhar o processo por que estão sendo desenhados os contornos de novas instituições e políticas. As conferências de São Francisco e de Bretton Woods ocorreram sob a inspiração de propostas predominantemente anglo-saxãs. Hoje a comunidade internacional parece ter optado por um esforço coletivo e progressivo para a construção da ordem pós-crise, mediante o diálogo e a convergência entre visões diferentes. Essa talvez seja a lição do G-20, que não deveria refletir apenas a imposição de uma crise, mas o início de um processo de democratização nas instâncias internacionais. |