A obamanização do mundo
Política

A obamanização do mundo


João Pereira Coutinho,

LISBOA - Estou cansado da obamanização do mundo. Inventei agora a palavra. Vocês sabem o que ela significa: a obamanização consiste em substituir a realidade pela fantasia, esperando que nos quatro cantos do globo surja sempre um candidato capaz de imitar a retórica bondosa e evangelista do original Barack.

Aconteceu agora no Irã. Li os jornais disponíveis. Acompanhei as reportagens televisivas. O tom era semelhante: pela primeira vez desde 1979, altura em que Khomeini deixou o seu exílio dourado em Paris para regressar a Teerã, os iranianos iriam escolher novo presidente. Pior: iriam escolher um "moderado" (Mousavi) por oposição a essa grotesca criatura chamada Ahmadinejad.

A fantasia esquecia dois pormenores básicos, quase dolorosos. Primeiro: o Irã não é uma democracia. O Irã é uma teocracia, o que significa que as decisões (iniciais e finais) pertencem ao Líder Supremo, Khamenei.

É o Líder Supremo quem escolhe os candidatos presidenciais. Em todas as eleições, aparecem centenas ao cargo. Esse ano, foram 485 candidaturas. Quatro foram selecionadas, depois de verificação apertada, ou seja, depois de se verificarem os créditos revolucionários dos quatro candidatos, rigorosamente do sexo masculino e rigorosamente muçulmanos xiitas. Mas a influência do Líder Supremo não termina aqui. O Líder Supremo, independentemente do resultado da votação, escolhe o presidente do Irã. Os iranianos que foram às urnas são apenas figurantes de um teatrinho sórdido.

Mas há mais. Nos últimos dias, surgiu igualmente a fantasia de que Ahmadinejad poderia ser derrotado por um "moderado". E quem é o moderado? Precisamente: Mir-Hossein Mousavi, um antigo primeiro-ministro de Kohmeini, responsável pela execução maciça de opositores políticos na década de 80 (20 mil? 30 mil?). Alguns jornalistas, sem um pingo de vergonha na cara, chegaram mesmo a acrescentar que Mousavi iria inaugurar um novo período de relações amigáveis com o Ocidente e, pasmem, Israel. Para os relapsos, relembro que Mousavi esteve envolvido no atentado terrorista ao centro cultural judaico de Buenos Aires. Morreram 85 pessoas.

E agora? Agora, coisa nenhuma. A vitória de Ahmadinejad, seguramente forjada, cumpriu na perfeição o roteiro pré-definido pela teocracia iraniana. O que significa que, depois dos Guardas Revolucionários fazerem o seu trabalho, prendendo ou espancando os manifestantes, o Irã continuará o seu glorioso caminho rumo à pobreza, à opressão das suas minorias e, claro, à bomba nuclear, para uso cirúrgico contra Israel. A obamanização do mundo é uma idéia simpática. As idéias simpáticas, pelos vistos, não chegam a Teerã.

João Pereira Coutinho, 32, é colunista da Folha. Reuniu seus artigos para o Brasil no livro "Avenida Paulista" (Record). Escreve quinzenalmente, às segundas-feiras, para a Folha Online.



loading...

- De Olhos Postos No Irão
Contrariamente ao que poderia ser esperado à partida, não é certo que Ahmadinejad vença as eleições iranianas. A primeira volta realiza-se hoje e grandes expectativas estão depositadas no moderado Mousavi. Como é evidente, qualquer solução...

- Demétrio Magnoli Revolução Na Revolução
 O ESTADO DE S. PAULO "Ouvi disparos repetidamente enquanto as pessoas entoavam Allahu Akbar (Deus é grande) na região de Niavaran", testemunhou um habitante de Teerã no sábado, enquanto helicópteros da polícia sobrevoavam a capital,...

- Irã A Revolta Contra Ahmadinejad
A revolta assusta os turbantes Protestos contra fraude na reeleição de Ahmadinejad expõem o desejo de mudança de uma sociedade mais jovem, moderna e bem-educada que aquela que levou os aiatolás ao poder Thomaz Favaro Fotos Behrouz Mehri/AFP e Konstantin...

- Pra Lá De Teerã Fernando Gabeira
FOLHA DE S. PAULO RIO DE JANEIRO - Até agora, não consigo explicar a posição de Lula sobre o Irã. Por que se precipitar e dizer que as manifestações eram brigas de vascaínos contra flamenguistas? Naquele momento, os principais líderes mundiais...

- Irã Uma Eleição Que Agitou O País
da VEJA Irã, mostre a sua cara Deu gosto de ver o entusiasmo e o desejo de  mudança que afloraram na campanha presidencial Ben Curtis/AP ONDA VERDE Mãe e filhinha em comício de Mousavi: pondo os topetes de fora Foi uma campanha presidencial...



Política








.