Helena, Júlia, Nadine. Três mulheres a favor da tolerância religiosa e contra o absurdo da guerra. Helena Salem, judia sefardita, teve de se passar por árabe para cobrir a Guerra do Yom Kippur como jornalista, em outubro de 1973. Júlia Bacha dirigiu um documentário revelador sobre a resistência pacífica num vilarejo palestino, Budrus, que será lançado em DVD no Brasil em outubro. Nadine Labaki, libanesa cristã, ganhou no domingo passado o Festival de Toronto, com seu filme encantador numa aldeia remota onde uma mesquita e uma igreja ficam lado a lado.“O que é ser judeu? E árabe? E judia com nome árabe? Que guerra é essa? Só pode ser assim?”, escreveu Helena Salem em seu belo livro Entre árabes e judeus, publicado em 1991. “O que faz com que me sinta tão próxima do soldado israelense como do egípcio? Será que eles não sabem que são tão parecidos? Como juntar aquela menininha que jurou nunca se casar na sinagoga com a mulher que agora assume uma identidade de árabe para poder circular livremente por Egito, Síria, Jordânia, Líbano, sem medo de ser molestada? Como ser, ao mesmo tempo, alvo de repúdio da colônia israelita e de desconfiança dos árabes? O que fazer com meus véus interiorizados de mulher judia oriental, que reconheço tão próximos dos véus que recobrem a face das mulheres árabes?”
Aos 22 anos, jornalista, Helena Salem foi conhecer o Cairo. Três dias depois, estourou a Guerra do Yom Kippur. Ela insistia em dizer que os palestinos não deveriam ser outro povo nômade, sem o chão de uma pátria. Ficava impressionada em como se sentia em casa numa mesquita no Cairo: “Mulheres em cima, homens embaixo, o canto choroso, conhecia tudo isso”. Divertia-se também em descobrir comidas parecidas: o folheado árabe semelhante à bureka, “a maior iguaria oferecida na casa de vovó Judith”.
Agnóstica, carioca, Helena teria hoje 63 anos. A injustiça da vida a levou precocemente, aos 50. Seu livro, que ela me deu num jantar em sua casa e que li de um trago só, traz muitas luzes para o que está em jogo na ONU: o reconhecimento do Estado palestino.
Quando a carioca Júlia Bacha, de 30 anos, foi a Israel, tinha a mesma idade de Helena no Cairo: 22 anos. Fez a assistência de direção de Encounter point, documentário que mostra como mães israelenses e palestinas se reúnem em ONGs para buscar uma saída de paz. Júlia também dirigiu Budrus, que registra como um vilarejo palestino de 1.500 habitantes resistiu pacificamente ao muro planejado por Israel. A cerca dividiria o cemitério ao meio, destruiria 3 mil oliveiras e ficaria a 40 metros da escola. Jovens ativistas israelenses e europeus aderiram ao movimento. E Israel mudou o muro de lugar depois de 55 manifestações ao longo de um ano.
“Tanto israelenses quanto palestinos vivem em sociedades machistas onde o Exército ou a luta armada acabam por valorizar os homens”, diz Júlia. “As mulheres e as mães estão cansadas de perder seus filhos e maridos. Em Budrus, a cena mais tocante acontece quando a menina Iltezan, de 15 anos, se joga no buraco feito pela escavadeira do trator e ali se senta, pequena e impassível, diante da máquina.” Iltezan arriscava a vida para defender as oliveiras. Sem jogar uma pedra, uma granada.
Na semana passada, assisti ao filme E para onde vamos agora?, de Nadine Labaki, libanesa de 37 anos. Numa aldeia, as mulheres cristãs e muçulmanas se unem para evitar novos lutos. Desligam os fios da única televisão da praça. Queimam os jornais que relatam conflitos. Escondem as armas. Contratam dançarinas ucranianas para distrair os maridos. Mas palavras ou gestos enviesados continuam a provocar brigas entre os homens. Um dia, as cristãs despertam com véus pretos e chamam seus maridos para a mesquita. E as muçulmanas acordam de vestidos leves, braços e pernas de fora, chamando os maridos para a igreja. Eles acham que todas enlouqueceram.
Não sei se a paz é feminina. Mas talvez dependa, sim, da força, da persuasão e da tolerância das mulheres. E do desejo profundo de não mais chorar por seus homens.