Renata Betti e Benedito Sverberi
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Um negócio selado na última sexta-feira entre o Pão de Açúcar e as Casas Bahia resultou num gigante do setor de eletroeletrônicos cujas dimensões não têm paralelo com as de nenhuma outra empresa do varejo brasileiro. O segundo colocado do setor, o Magazine Luiza, fatura hoje um quinto daquilo que o novo grupo, segundo projeções, deve atingir: 19 bilhões de reais, o equivalente a 25% do mercado. Desde junho, o Pão de Açúcar já ocupava a vice-liderança do segmento de eletroeletrônicos, posto que conquistara após a aquisição do Ponto Frio. Depois da compra, o grupo passou a atuar com força numa área na qual tinha participação irrelevante, com a bandeira Extra Eletro, e que julgava prioritária. Estava, no entanto, atrás das Casas Bahia, que permaneciam na dianteira havia vinte anos. Com a união, formou-se uma terceira empresa, que manteve o nome Globex, sob o qual já se abrigava a operação do Ponto Frio. A ela, juntam-se agora as cinquenta lojas Extra Eletro (marca que deve desaparecer) mais as 500 das Casas Bahia em onze estados. Para se unirem, tanto o Pão de Açúcar quanto as Casas Bahia transferiram para a nova Globex ativos que, somados, chegam a 2,6 bilhões de reais. Se tudo correr como o previsto, em 120 dias o conglomerado já estará estruturado como reza o contrato: 51% das ações nas mãos do Pão de Açúcar, de Abilio Diniz, e 49% com as Casas Bahia, de Michael Klein. Diz o analista financeiro Cauê Pinheiro: "Essa fusão é decisiva para as duas empresas envolvidas – e pode transformar o setor de eletroeletrônicos no país".
Dois meses atrás, quando o empresário Abilio Diniz, fundador e atual presidente do conselho do Pão de Açúcar, procurou Michael Klein, o dono das Casas Bahia, para propor negócio, sua intenção era justamente firmar uma parceria que o levasse, enfim, ao topo do setor de eletroeletrônicos. O interesse número 1 era ganhar musculatura num mercado em que as margens de lucro chegam a 30%, ao passo que nos supermercados elas não ultrapassam 10%. Abilio queria ainda ter como aliada uma empresa com a qual tinha dificuldade em competir. Nenhuma de suas operações ia tão bem nas classes C, D e E, a especialidade das Casas Bahia desde que sua primeira loja abriu as portas, 57 anos atrás. Admite Enéas Pestana, vice-presidente financeiro do Pão de Açúcar: "Não temos a mesma expertise deles para atrair as classes mais baixas. Por isso, a união nos ajuda". Um ponto fraco do novo grupo continua a ser o Nordeste, onde o líder absoluto no varejo é a rede baiana Insinuante, que consegue atrair a tão almejada classe C. Nos últimos cinco anos, ingressaram nela 26 milhões de brasileiros. Segundo estudo da Fundação Getulio Vargas, estima-se que a classe C responda por um terço do consumo do país. Em algumas categorias de produtos, como celulares, a porcentagem chega a 70%. As Casas Bahia estão entre as maiores vendedoras desse produto no Brasil.
A empresa de Klein, por sua vez, não passa por um momento fácil. Discordâncias quanto à condução dos negócios levaram, em agosto, à saída de Saul, o irmão de Michael, que comandava a área comercial – e embolsou 4 bilhões de reais ao deixar a sociedade. O faturamento deve ser, em 2009, 1 bilhão de reais menor do que o aferido no ano passado, efeito de uma mudança no país que atinge uma das artérias centrais das Casas Bahia: a concessão de crédito. Até recentemente, o braço financeiro das Casas Bahia era uma das principais fontes de empréstimos para a clientela de baixa renda. Hoje, as fontes de crédito aumentaram. Os bancos já se mostram mais receptivos a esse público. Abriram linhas próprias para atender à classe C ou se associaram a empresas que já tinham um pé nesse segmento. "Nossas margens nesse mercado estão diminuindo", diz o próprio Michael Klein, que, em 2004, se associou ao Bradesco. O empresário, que assumirá o cargo de presidente do conselho da Globex, reconhece que sua empresa tem algo a aprender com o Pão de Açúcar no campo da gestão de negócios: "Ainda estamos muito ligados ao modelo familiar. Eles são mais avançados nessa área".
A união de Pão de Açúcar e Casas Bahia pode, sob alguns aspectos, favorecer os consumidores, segundo sinaliza a experiência de grandes fusões no varejo. Em geral, uma junção entre duas empresas desse porte resulta no aumento da oferta de produtos e na melhoria dos serviços prestados por elas, uma vez que as boas práticas de cada uma tendem a ser preservadas. Os preços, no entanto, perigam subir. Resume a economista Elizabeth Farina, da Universidade de São Paulo: "Sempre que uma empresa domina o mercado, ela ganha poder para determinar os preços de toda a indústria – tanto no lado dos fabricantes como no dos clientes". Uma particularidade do varejo brasileiro como um todo, no entanto, reduz – pelo menos por ora – o poder de pressão do novo gigante. No país, esse ainda é um setor bastante pulverizado. As três empresas na liderança – Pão de Açúcar, Carrefour e Wal-Mart – detêm, juntas, 38% do mercado. Em países da Europa e nos Estados Unidos, a fatia abocanhada pelas três líderes beira os 60%. Essa pulverização no mercado brasileiro está relacionada a questões socioeconômicas. Em lugares de renda mais baixa, a tendência é que as pessoas procurem o comércio vizinho – daí a proliferação de milhares de pequenas lojas. Outra razão remete à própria maturidade do setor. No mercado americano, fusões e aquisições vêm ocorrendo há mais de uma década. No Brasil, esse processo de consolidação teve início há cinco anos.
Xando Pereira |
Todos querem a classe C |
Com reportagem de Luís Guilherme Barrucho