Mas, Jesus Cristo, de onde veio tanto entusiasmo? Não diziam que a Igreja estava se acabando, vergada ao peso de escândalos? Ela parecia bem viva, nesses últimos dias.
Mas não cabe, aqui, o menor triunfalismo — que seria, aliás, o próprio oposto do papa Francisco. Assistimos, nesses dias, a muitos milagres, e rivalidades de crença pareciam muito longe do cenário. Ontem, em Copacabana, uma faixa dizia: "Papa Francisco, sou evangélico mas te amo!". O padre, bispo e cardeal Bergoglio, por toda a vida, foi um praticante do ecumenismo. Ele sabe que o mundo de hoje é pluralista, complexo, inseguro de si mesmo, e que ninguém está à espera de uma cruzada.
Mas ele quer os jovens na rua — isso ele disse com todas as letras. Usou uma forma trinária que me lembrou demais o grande Alceu de Amoroso Lima: "Ide,/ sem medo/ para servir".
É todo o Bergoglio que está nessas palavras. "Ide": sair de si, do bem-bom caseiro, abrir o coração para os mistérios da vida, reservar um espaço para o "outro" que está do seu lado, que pode parecer um chato, mas sempre tem algo de bom. Ele poderia citar o famoso rabino Nachman de Bratislava (século XVIII), que dizia: "Devemos julgar os outros favoravelmente. Mesmo se alguém é completamente mau, devemos procurar o pedacinho de bem que está nele. Nesse pedacinho de bem, aquela pessoa não é má". Continuava o rabino: "Se, naquela pessoa, você encontra esse pedacinho de bem, e a julga favoravelmente, você faz ela passar do lado da culpa para o lado do mérito". E concluía: "Devemos aplicar essa técnica a nós mesmos. Uma pessoa deve trabalhar muito a sério para estar sempre alegre, e para fugir da depressão". Não é isso puro Bergoglio? Não foi o Cristo quem disse: "Não julgueis para não serdes julgados"?
Acho que parte da mágica que intuímos esses dias, como um sopro de luz e de vida, vem da passagem (ou da proximidade) de um mestre espiritual. Sim, Bergoglio é simpático, um paizão. Mas, reparem, ele não ri o tempo todo, ele não faz gestos teatrais. Onde é que você já viu manter três milhões de pessoas, como ontem, silenciosas durante cinco minutos, porque ele pediu um tempo de oração? O demagogo não faz isso, não quer que as pessoas pensem por si mesmas, quer exercer uma espécie de hipnotismo barato.
O papa Francisco quer que você pense, que você medite sobre esse tesouro inesgotável que é a tradição cristã. Da Virgem Maria, de quem é devoto, ele pede a graça de "guardar essas coisas no seu coração".
Ele quer que os jovens rezem — e que depois vão para a rua, inclusive para renovar a política. Não é uma religião de portas fechadas, de caráter sectário. É uma religião aberta para o mundo — mas que, do encontro com o Cristo, extrai a sua identidade.
Ele sabe em que mundo estamos vivendo. Mas sabe que o desejo da transcendência mora no coração do homem, insatisfeito numa cultura que só oferece o material e o sensório.
Ao mesmo tempo, ele faz a dicotomia "transcendência mais encarnação". O cristão recebe a visita do infinito; mas enquanto há vida, estamos acampados nessa terrinha, cercados de gente que pede justiça, pão e liberdade.
E aqui é preciso relembrar o lema trinário do papa Bergoglio: "Ide/ sem medo/ para servir". É o que ele tem feito a vida toda, e pode fazer para toda a Igreja.
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