Ainda que tardia - MIRIAM LEITÃO
Política

Ainda que tardia - MIRIAM LEITÃO


O GLOBO - 26/09


Enfim. É a primeira coisa que se pode dizer sobre a decisão da Justiça de que na certidão de óbito de Vladimir Herzog deixe de constar a mentirosa informação de suicídio. O Brasil começou a mudar. Lenta e tardiamente. Já há réus em crimes de morte de presos políticos, o STF tomou uma decisão que altera a interpretação que impedia processo contra responsáveis por casos de desaparecidos.

Na semana passada, a segunda turma do STF deferiu parcialmente o pedido do governo argentino de extraditar Claudio Vallejos, acusado de tortura, homicídio, sequestro e desaparecimento forçado de pessoas durante a ditadura militar argentina. Ele era militar e atuava num terrível centro de tortura, a Escola de Mecânica da Armada Argentina (ESMA). O deferimento só foi parcial porque ele responde a processos no Brasil.

A defesa alegou que o crime prescreveu. O ministro Gilmar Mendes, autor do voto seguido por unanimidade, citou jurisprudência do STF de que "nos delitos de sequestro, quando os corpos não forem encontrados, em que pese o crime ter sido cometido há décadas, na verdade se está diante de um delito de caráter permanente, com relação ao qual não há como assentar-se a prescrição". O Ministério Público tem trabalhado com essa tese: do crime permanente para os casos como os do deputado Rubens Paiva e de mais de uma centena de brasileiros cujos corpos jamais apareceram.

Não é o caso de Vladimir Herzog. Convocado, o jornalista compareceu ao II Exército para prestar depoimento. Horas depois, estava morto. O corpo dele foi entregue à família para o enterro, mas na certidão de óbito foi registrado o que foi dito na nota do II Exército.

Foram necessários 36 anos, 10 meses e 30 dias para que o Estado brasileiro conseguisse emitir através do Judiciário a ordem de que a mentira seja removida dos documentos oficiais. Nesse tempo, já houve sete mudanças na Presidência da República. O último general saiu do Palácio há 27 anos, seis meses e 11 dias. E só agora a versão dos torturadores está sendo varrida da história.

Mesmo para um país que tem dificuldade de olhar seu passado, entendê-lo, aprender com ele para pavimentar o futuro, essa espera foi longa demais. O que constrangeu o poder civil e democrático por tanto tempo? Inexplicável.

Recentemente, a Justiça Federal de Marabá, no Pará, aceitou a denúncia contra o coronel Lício Maciel, no caso da morte de Divino Ferreira de Souza. A juíza Nair Pimenta de Castro abriu ação contra ele por ter assumido esse e outros crimes na fase final da luta contra a guerrilha, quando, segundo o MPF, houve a "adoção sistemática de medidas ilegais e violentas, promovendo-se o sequestro e a execução sumária dos militantes". A denúncia contra o major Sebastião Curió, ajuizada antes, tinha sido recusada, mas a decisão foi alterada, e ele também virou réu em mortes ocorridas na mesma época, durante a ditadura.

A Comissão da Verdade não tem atribuição judicial. Sua função é buscar as informações, tomar depoimentos, fazer sugestões ao governo de como encaminhar o problema. Mas sua existência, ainda que com depoimentos tomados de forma reservada, tem ajudado a movimentar o país na busca dos pontos perdidos dessa dolorosa história. O Ministério Público tem apresentado denúncias em todas as regiões do país para esclarecer o entendimento sobre os princípios da justiça de transição; que trata dos crimes de um período de exceção.

Tudo isso aconteceu há muito tempo. Alguns desses crimes foram cometidos quando a maioria dos brasileiros nem era nascida. É mais um motivo para que o Estado brasileiro se apresse.



loading...

- Visita Inevitável - MÍriam LeitÃo
O GLOBO - 31/03Eu era menina ainda, mas já gostava de notícia. Grudei no rádio e fiquei ouvindo as informações da movimentação das tropas do general Olímpio Mourão Filho. O que eu não podia imaginar, por ser tão criança, é que aquele 31...

- A Presença Dos Ausentes - Miriam LeitÃo
O GLOBO - 25/10O troféu é leve, verde-água, em forma de meia-lua recortada. No primeiro olhar, a gente não entende os recortes na parte interna da meia-lua, até notar que eles desenham o contorno de um perfil: de Vladimir Herzog. O rosto dele não...

- Aquele Outubro - Miriam LeitÃo
O GLOBO - 07/07 Nos dias que antecederam a prisão de Vladimir Herzog, houve uma série de outras prisões de jornalistas. Era uma ofensiva de intimidação. Herzog foi o décimo segundo a ser preso. Quem conta é Audálio Dantas que, à época, era presidente...

- MÍriam LeitÃo Silêncio Conveniente
O GLOBO - 10/03/11 É particularmente interessante a expressão “governo chamado de militar”, no documento que as Forças Armadas enviaram ao ministro da Defesa contra a Comissão da Verdade. Quer dizer que um governo que por 21 anos instalou generais...

- Miriam Leitão:silêncio Forçado
O GLOBO O governo periga errar 100% nas duas brigas com os militares. Recusa-se a aceitar o relatório técnico da Aeronáutica sobre a compra dos caças e submete-se às ordens dos comandantes militares de que não se investigue os crimes cometidos...



Política








.