As urnas pedem eleições metropolitanas Sandra Cavalcanti
Política

As urnas pedem eleições metropolitanas Sandra Cavalcanti


Acho que, em todo o País, as recentes eleições municipais evidenciaram, de forma clara e até contundente, a diferença entre municípios e metrópoles. A adoção da escala metropolitana de governo vem sendo de grande vantagem nos países mais adiantados. É só dar um giro pelo planeta para ver esse fato, que salta aos olhos. Paris, Londres, Frankfurt, Berlim, Tóquio, Pequim, Los Angeles, San Francisco, Nova York, Chicago e Boston, só para citar alguns exemplos, são áreas extremamente populosas, orientadas por um poder público que busca harmonizá-las, não esfarinhando recursos nem desperdiçando serviços e impostos.

Infelizmente, como já tenho registrado inúmeras vezes, o Brasil cresceu sem consciência alguma de sua metropolização. Ao contrário, persiste a idéia estapafúrdia da intocabilidade dos municípios, que comanda, há anos, as nossas decisões nesse assunto.

Antes de qualquer proposição, é preciso repetir : o município é a base de nossa instalação territorial. Ninguém cogita de acabar com eles. Mas para merecer respeito e sustentar sua permanência como instituição o município precisa ser município, como diria o marquês de Maricá...

Acontece que, dos quase 6 mil municípios do País, mais da metade já deixaram para trás as suas características municipais. Eles são, agora, prósperas e agradáveis áreas urbanas integradas inexoravelmente à metrópole vizinha. Já deixaram a sua condição de município.

Por outro lado, da outra metade dos que sobram, menos de um terço atinge condições realmente municipais. Não saíram ainda da escala distrital. Só por artimanhas politiqueiras foram alçados à categoria de municípios. Sem arrecadação suficiente de impostos, eles vivem de ardilosas transferências constitucionais e usam os serviços públicos de municípios vizinhos mais poderosos.

Esse drama da divisão do Brasil é, em grande parte, o responsável pela ineficiência dos serviços públicos das chamadas grandes cidades , obrigadas a atender às deficiências de seus vizinhos, numa política puramente clientelista. A eleição que vem de ser realizada em todo o País trouxe à luz esse retrato torto dos falsos municípios e da exausta área metropolitana.

Ficou evidente que para ganhar em qualquer deles dois fatores foram decisivos: ou o candidato disputava a reeleição, após excelente desempenho, ou exibia as promessas de apoio do governador e do presidente da República. No primeiro caso, foi emocionante ver a espetacular reeleição de Beto Richa, em Curitiba. Seu desempenho como prefeito foi tão bom que, mesmo com a oposição ferrenha do governador e do PT, ele mereceu a adesão de mais de 70% dos eleitores de sua cidade.

No outro caso, como em Belo Horizonte, ficou clara a visão de que sem o apoio do governador e sem a simpatia do Planalto o governo seria quase inviável. Foi isso o que cimentou a candidatura de Márcio Lacerda: a garantia do apoio do governador e do atual prefeito.

Vale, pois, a pergunta: por que a influência estadual e federal pesa tanto? Porque a jurisdição do prefeito do município-núcleo, na área metropolitana, é sempre bem menor do que os problemas que ele tem de enfrentar. Ele não pode invadir a autonomia do município vizinho nem pode atuar como poder estadual ou federal. É quase um beco sem saída.

Em São Paulo houve um episódio emblemático: o daquele imenso e polpudo cheque, exibido de forma legítima pelo prefeito Gilberto Kassab, de ajuda municipal para uma obra estadual, a construção de nova linha do metrô. Essa linha, como todas as outras, vai beneficiar milhões de habitantes da Grande São Paulo - metropolitanos que diariamente saem de seus municípios para trabalhar em outros vizinhos, ou vice-versa. Ninguém nota a hora em deixa Osasco e entra na capital paulista. Na hora do rush, ninguém é municipal.

No Rio vivemos a mesma realidade. A Avenida Brasil, a Linha Vermelha, as barcas, a Ponte Rio-Niterói, a Linha Amarela, a Rio-Santos, essas são as artérias metropolitanas de seus milhões de habitantes. Por tudo isso, foi decisiva para a área metropolitana do Grande Rio a vitória de Eduardo Paes. Essa vinculação administrativa com o poder estadual e o federal foi captada pelo eleitorado.

Talvez, quem sabe, ele venha a ter mais sorte do que os anteriores dirigentes, no caso da rede de saúde, herdada dos tempos de capital federal e dos institutos de previdência. O prefeito César Maia bem que tentou. Mas a postura oposicionista dos governos estaduais não foi vista com grandeza pelo Planalto, que não soube distinguir o bem comum dos interesses partidários. Foi como se a população carioca não pagasse impostos federais...

Na questão da segurança pública, por exemplo, temos o mais típico desafio para os prefeitos. Principalmente nas áreas metropolitanas. Primeiro, porque até hoje ninguém teve a coragem de retirar do texto constitucional aquela colossal asneira de considerar "exclusividade da Polícia Militar o policiamento ostensivo". Prefeito algum tem a menor condição de sair por aí garantindo que vai dar jeito na insegurança que reina nas metrópoles, a não ser que o governador ajude e o presidente não atrapalhe.

A grande lição destas eleições municipais é que está na hora de implantar, de fato, a escala metropolitana de administração, prevista há 20 anos na Carta Magna. Nas urnas das pequenas e médias cidades, o povo aprovou os bons administradores. Mas, nas três mais importantes áreas metropolitanas do País, o povo deu um recado claro e sério: a ajuda e o apoio dos governos estaduais e federal é essencial. Sem eles essas metrópoles vão ser, cada vez mais, focos de desordem urbana, insegurança, desconforto e ausência de bons serviços públicos. Aliás, já são.



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