Como o post anterior demonstra, hoje (dia 10) formalizei a minha saída do Bloco de Esquerda. Uma daquelas decisões que, embora resultando de um longo processo de reflexão pessoal, acaba por ser de uma grande violência, inclusive emocional.
Desvinculei-me do Bloco de Esquerda após muitos anos de esforço colectivo, de activismos diversos, de entrega às mais variadas causas. No momento presente, a desvinculação significou interromper o mandato em regime de substituição na Assembleia Municipal de Lisboa, assim como o trabalho desenvolvido na Assembleia de Freguesiade Santo António em Lisboa. Representou abandonar também a coordenadora Concelhia de Lisboa, significou terminar a colaboração de mais de cinco anos com o Esquerda.net, determinou não mais colaborar com o grupo de pessoas da Plataforma 2014 que corporizou nos últimos anos a Moção B às Convenções e a Lista B em Lisboa.
Mas se o envolvimento era tanto e a entrega tão grande, o que me fez abandonar o Bloco? O post
Quando ingressei no Bloco de Esquerda, fi-lo por ter a certeza absoluta que este era o projecto que o país precisava e que mais se adequava ao que defendo ideologicamente. Uma esquerda moderna, arejada, inteligente, corajosa. Uma esquerda que soube romper com os discursos do passado e agarrar novas causas, falar para um eleitorado de esquerda e centro esquerda que ansiava por uma lufada de ar fresco. O Bloco esteve sempre no centro do que melhor a Esquerda fez nos últimos anos em Portugal. E esteve sem nunca vergar, convicto do que defendia, incorruptível, sem papas na língua, sem telhados de vidro. Como diria o Miguel Portas, esteve “sempre com os de baixo”.
O Bloco teve também uma extraordinária capacidade de agregar em seu torno um conjunto de visões de esquerda bastante diversas, que conseguiram fazer da diversidade a sua maior força. Num espírito de abertura, sem tabus, procurando pontes e denominadores comuns. Aliás, esta última dimensão será talvez para mim a mais importante: o Bloco surgiu para quebrar o impasse político da falta de unidade da esquerda em Portugal. Foi constantemente desafiando o PS dos ziguezagues, dos interesses instalados, o PS que de esquerda por vezes parecem apenas restar as proclamações vazias e o cravo ao peito no 25 de Abril.
Internamente, sempre defendi que o Bloco não se podia alhear desta sua missão de fazer pontes, de assumir a diversidade da esquerda, procurando sempre os denominadores comuns. Internamente sempre defendi que o Bloco deveria ser o principal desbloqueador do sectarismo que é tão típico da Esquerda. E de facto, não tenho dúvidas que as maiores iniciativas de aproximação da Esquerda em Portugal nos últimos quinze anos tiveram o apoio/participação do Bloco. Seja na luta pela descriminalização da IVG, na aprovação dos casamentos das pessoas do mesmo sexo, ou iniciativas mais abrangentes como o Congresso Democrático das Alternativas. O Bloco esteve lá e contribuiu ativamente para o sucesso das mesmas.
O problema é que, na minha análise, por razões diversas, o Bloco tem nos últimos anos deixado de assumir esta sua missão de quebrar o impasse à esquerda. A sua recusa de analisar seriamente uma política de alianças nas eleições legislativas, europeias ou autárquicas são exemplo disso. A sua dificuldade em perceber que, por maior risco que tal constitua, a mudança faz-se sobretudo indo para o poder e implementando políticas. E, por último, algumas decisões recentes manifestamente erradas de rejeitar qualquer possibilidade de alianças com o Livre o ou Manifesto 3D, criaram um fosso grande com o que eu acho que deve ser o caminho para a construção de Esquerda Grande ou de alternativa de Esquerda para Portugal.
A meu ver, tendo perdido o seu "encanto" junto da comunicação social e passando a ter uma forte concorrência no seu campo político (Livre, PS de António Costa, etc), o Bloco precisava rapidamente de um golpe de asa que lhe permitisse refundar-se e voltar a sintonizar-se com o seu eleitorado. Um eleitorado de esquerda e centro-esquerda que, não percebendo nem tendo paciência para as quezílias, deseja há muito um governo de esquerda para Portugal.
E esta não é uma reflexão que tenha feito com os meus botões. Disse-o sempre nos mais diversos espaços de discussão. Disse-o nas últimas duas convenções, em debates de listas, em plenários concelhios e distritais. Escrevi também sobre isso: por exemplo aqui, aqui e aqui.
Não tem sido essa a orientação seguida nos últimos anos. Pelo contrário, considero que o rumo seguido pelo partido, que tem levado ao abandono de tantas e tantos, e cujos resultados eleitorais estão à vista, parece ter sobretudo como objetivo ocupar o espaço da Esquerda de protesto do que da Esquerda da alternativa. E assim sendo, julgo que Portugal já possui um partido que é uma caso de estudo internacional a este respeito – chamado PCP – não necessitando por isso de mais uma força política no referido espaço.
Assim sendo, deixo o Bloco de Esquerda por divergências políticas e estratégicas. Deixo o partido porque nunca o vi como um fim, mas sim como um meio para atingir algo. Não deixo o Bloco pelo episódio A ou B, pela situação X, Y ou Z. Deixo por divergência política, por discordância com o rumo seguido. Gostava que não existissem dúvidas a este respeito.
Julgo que, apesar deste ser um momento difícil, este é também o momento para sublinhar que sempre encontrei nas pessoas do Bloco uma integridade férrea, um ativismo convicto e desinteressado que todos os dias nos ensina que andamos cá para tornar as coisas melhores, para promover a mudança que é tão precisa. Sempre encontrei também no Bloco uma liberdade de discussão e um respeito pela diferença que não permite ao partido receber lições a este respeito de qualquer outra força política. E, não menos importante, encontrei no Bloco cabeças que pensam por si, que dificilmente vão em carneiradas. Espíritos livres. É verdade que não encontrei santos ou virgens, mas julgo que esses fazem pouca falta.
Resta-me sublinhar que deixo no Bloco muitos amigos e camaradas, pessoas pelas quais tenho uma enorme estima e respeito. Muitos companheiros de luta. Mas porque há muito a fazer e porque espaços para trabalho conjunto na esquerda não faltarão com certeza (lutarei sempre por isso mesmo), despeço-me com um sincero e amigo “Até já, Camaradas”.