A constatação de que Lula, com toda sua popularidade, não transfere votos – evidência maior das recentes eleições municipais – tem sido motivo de sobressalto no PT. O partido não possui outro nome capaz de mobilizar o eleitorado para a sucessão presidencial de 2010.
Prova disso são as pesquisas de opinião, que, não importa o instituto que as promova, constatam sempre a preferência por dois candidatos tucanos: os governadores José Serra, de São Paulo (sempre na vanguarda), e Aécio Neves, de Minas.
A menos que os acontecimentos políticos dos próximos dois anos projetem um nome não visível neste momento no horizonte, o quadro se manterá assim até as eleições. Isso significa a transferência de poder de um partido para outro, algo inerente ao processo democrático, embora nem por isso aceito com naturalidade. Há sempre resistência nessa alternância.
Por essa razão, devem voltar à tona os famosos balões de ensaio, com as teses mais estapafúrdias, cujo objetivo é impedir – ou ao menos dificultar – aquela transferência. Há pelo menos três teses em exame – e todas já mencionadas em momentos distintos.
A primeira é a do terceiro mandato para Lula, a re-reeleição. Hugo Chavez, da Venezuela, que vive situação análoga – a de não possuir sucessor em suas hostes -, não teve dificuldade de obtê-la. Chegou ao requinte de tentar a reeleição sem limites, o que lhe foi negado. Mas, por aqui, tenta-se ainda o primeiro estágio.
Há uma proposta de emenda constitucional, de autoria de um deputado que é amigo pessoal de Lula e freqüenta a intimidade palaciana, Devanir Ribeiro (PT-SP). Lula diz que não tem nada com isso e que é contrário à idéia. Se fosse mesmo, teria, além da autoridade de chefe do PT, a de amigo, para fazer com que a proposta fosse retirada, até mesmo para que não se pense o que se está pensando: que ele tem interesse na iniciativa. Como não o faz, é inevitável que se faça a ilação.
Outra proposta, também oriunda do PT, é de prorrogar os mandatos de todos os parlamentares, estaduais e federais, bem como de governadores e presidente da República, por dois anos, com dois objetivos confessados: 1) propiciar a coincidência de todas as eleições – municipais, estaduais e federal – em 2012; 2) pôr fim à reeleição. A partir de então, todos os mandatos passariam a ser de cinco anos. Qual o sentido disso, senão prorrogar o status quo e adiar o julgamento das urnas, dando tempo a que os atuais governantes encontrem um meio de não transferir o poder?
Por fim, há uma proposta que não sai da ordem do dia: a de convocar nova Assembléia Constituinte para que tudo isso seja visto e revisto em conjunto. Lula tentou certa vez sensibilizar a OAB para a proposta, mas a entidade se manifestou contrariamente, deixando claro que Constituinte só se justifica mediante ruptura da ordem jurídica vigente. E isso não ocorre.
O argumento central é de que a atual Carta, que completou 20 anos em outubro, já está desfigurada por 58 emendas, havendo ainda mais de mil propostas de novas emendas em tramitação no Congresso e cerca de 700 ações diretas de inconstitucionalidade em exame no Supremo Tribunal Federal, o que demonstraria o seu esgarçamento. Ocorre que a própria Carta indica, em seu artigo 60 e parágrafos, o modo como deve ser alterada: por meio de emendas, em votações bicamerais (Câmara e Senado), em dois turnos, com quórum de três quintos.
Isso, claro, limita as mudanças e exige um mínimo de consenso e lastro na sociedade. E as propostas em pauta não possuem nada disso. Numa Constituinte, com quórum simplificado e votações unicamerais, seria mais fácil.
Os balões de ensaio devem prosseguir, como pano de fundo da crise econômica que já se esboça, como decorrência da crise internacional. Prevê-se um período rico em idéias pobres, na área política, e turbulento na econômica.
Ruy Fabiano é jornalista