No mundo globalizado, Estado grande e forte, como deseja o PT em seu
discurso, enfraquece os setores privados e gera desconfiança
UM CLICHÊ fora de moda foi ressuscitado no começo do ano pelo
presidente Lula, ao declarar que, para gerar desenvolvimento
econômico, os governos devem ser grandes e fortes. Para lastrear sua
afirmação, citou vários países desenvolvidos que possuem cargas
tributárias tão elevadas ou mais do que a brasileira.
Dilma Rousseff corroborou a crença de seu chefe, ao afirmar que, caso
seja eleita, pretenderia implantar um Estado forte, para instalar no
país um novo "desenvolvimentismo".
O discurso do PT em defesa da maior presença do Estado na economia
revela que o partido resolveu resgatar do baú um modelo de gestão que
a história havia sepultado há décadas.
A empolgação a favor do intervencionismo estatal exacerbado levou o
governo a pensar em recriar empresas como a Telebrás, para tocar o
programa de massificação de banda larga, e em criar novas estatais nos
setores de fertilizantes e de energia. Esse afã de expandir o poder do
Estado-produtor é uma leitura equivocada, ou oportunista, das
operações de socorro financeiro executadas pelos países ricos para
minimizar os efeitos da crise global, intensificada no final de 2008.
Fui aluno na Universidade Harvard de um famoso historiador econômico,
professor Alexander Gerschenkron. Ele mostrou que países como França e
Alemanha construíram Estados grandes e fortes para complementar o
setor privado no deslanche do processo de crescimento de suas
economias.
Tais governos investiram em bancos, indústrias e serviços de
transportes e comunicação tendo como padrão comparativo a Inglaterra,
onde tais investimentos eram privados.
Mas isso foi no século 19. Naquele momento, a presença pública
tornou-se necessária para suprir a falta de capitais privados, que
eram escassos na Europa continental. Assim, o papel substitutivo do
Estado foi essencial para alavancar o desenvolvimento naquelas
economias.
No Brasil, ocorreu algo semelhante. O processo de desenvolvimento
econômico com base na intervenção estatal direta foi utilizado no
governo de Getulio Vargas, nos anos 40, quando foram criadas a CSN, a
Vale e outras. Naquela época, seria impossível dar impulso à
industrialização brasileira sem a ação do Estado.
Esse modelo de desenvolvimento, ocorrido há um século e meio na Europa
e há mais de 60 anos no Brasil, não pode ser resgatado para a economia
brasileira nos dias atuais, pois não condiz com o cenário econômico
contemporâneo.
No mundo globalizado, Estado grande e forte, como deseja o PT em seu
discurso, enfraquece os setores privados e gera desconfiança nos
investidores ao redor do mundo. Quando a economia fica à mercê do
poder público, exposta a interesses de natureza predominantemente
políticos, recursos estrangeiros que poderiam ser canalizados para
alavancar o crescimento econômico se retraem, deixando de gerar
emprego e renda.
Hoje, os conceitos de força e grandeza se aplicam mais adequadamente
às empresas particulares do que ao setor público. Tanto no Brasil como
em outros países há setores privados capitalizados e prontos para
investir.
Já para o setor público, o conceito-chave é o da eficiência, e não o
da potência bruta. Hoje, para alavancar o desenvolvimento, compete ao
Estado um papel supletivo: o da indução e da regulação.
Estados grandes e fortes, em geral, tornam-se opressores em termos
fiscais, endividam-se em excesso e extraem cargas tributárias muito
além da capacidade contributiva do setor produtivo privado.
Tentam exercer um papel para o qual não possuem nem recursos e menos
ainda habilidades, comparativamente aos capitais privados. Ademais,
cabe lembrar que as empresas estatais sempre foram disputadas por
políticos brasileiros em busca de fontes de financiamento para suas
campanhas eleitorais, para acomodar familiares e apaniguados e
distribuir favores à custa da viúva.
No passado, setores importantes da atividade produtiva nacional foram
loteados entre velhos caciques da política nacional, com resultados
desastrosos para o país. É indispensável que a sociedade fique atenta
para o discurso que prega um Estado grande e forte.
Cabe repetir que, hoje, quem tem recursos e competência para produzir
e gerar empregos é o setor privado. Historicamente, o poder público no
Brasil demonstrou inusitado apetite pelo endividamento e por impor
ônus tributário excessivo.
O defunto redivivo da estatização implica risco de tolher o
desenvolvimento do país, além de custar muito caro ao contribuinte.
MARCOS CINTRA, 64, doutor em economia pela Universidade Harvard (EUA),
professor titular e vice-presidente da Fundação Getulio Vargas, é
secretário municipal de Desenvolvimento Econômico e do Trabalho de São
Paulo.