Luís Guilherme Barrucho
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O governo federal nunca poderia servir de exemplo às famílias brasileiras. Ao contrário das donas de casa, que administram seu orçamento com zelo, os gestores públicos não se limitam à já elevada receita dos impostos. O resultado segue a lógica aplicada ao cidadão comum: despesas acima dos rendimentos transformam-se em dívida. E, no caso do setor público brasileiro, ela não para de crescer. A dívida bruta do setor público atingiu 2 trilhões de reais. O peso dessa fatura, entretanto, não pertence somente aos políticos, mas a toda a população. Isso quer dizer que cada um dos 193 milhões de brasileiros, incluindo aqueles que acabaram de nascer, deve, em média, 10 321 reais. Esse valor pode subir ainda mais se nada for feito para conter a expansão dos gastos. Desde o início do governo Lula, o endividamento acumula um aumento de 840 bilhões de reais. Mas foi no ano passado que houve um salto. Sob a escusa de combater os efeitos da crise, a administração federal relaxou o rigor fiscal e ampliou os gastos. Com a recuperação da economia, 2010 deveria ser de ajuste e reequilíbrio das finanças públicas. Mas tudo leva a crer que será difícil conter despesas durante o ano eleitoral.
No início de 2009, com a atividade econômica em baixa, as receitas do governo caíram, ao passo que as despesas se ampliaram. De janeiro a outubro, o governo arrecadou 1,1% menos do que no mesmo período do ano passado, enquanto gastou 16,5% mais, aprofundando a dívida pública. Também concedeu extensas linhas de crédito aos bancos federais, como o BNDES, e inflou a folha de pagamento, contratando funcionários e concedendo-lhes reajustes superiores aos obtidos no setor privado. Para completar, reduziu tributos para estimular a venda de carros e eletrodomésticos, entre outros setores industriais, totalizando 25 bilhões de reais. O rombo orçamentário nas contas públicas (a diferença entre o total de gastos e a arrecadação tributária) chegou a 88 bilhões de reais nos dez primeiros meses de 2009, ante um déficit bem menor, de apenas 8 bilhões de reais, em igual período de 2008. "Ao manter um perfil de gastos crescentes e de má qualidade, o governo levanta dúvidas sobre sua capacidade de se financiar a longo prazo", diz Sérgio Vale, economista-chefe da consultoria MB Associados.
A consequência do descalabro fiscal é que mais um ano começará com os gastos sob pressão. Na semana passada, o governo decidiu elevar o salário mínimo, que vigorará a partir de janeiro, para 510 reais. O impacto nas contas da Previdência será de 4,6 bilhões de reais. Em 2010, também terão início os investimentos destinados a aprimorar a infraestrutura para a Copa do Mundo, em 2014, e a Olimpíada, em 2016. Para que essas novas despesas sejam absorvidas sem pressionar ainda mais a dívida pública, o governo precisará frear o avanço de sua gastança em outras áreas, sobretudo na conta do funcionalismo. Diz o economista Felipe Salto, da Tendências Consultoria: "Não há outra escolha. O governo terá de restringir minimamente as despesas para afastar qualquer risco de insolvência no futuro". Espera-se que, depois de sete anos de bom senso na gestão da economia, o governo Lula, enfim, dê o exemplo e não entregue uma bomba-relógio a seu sucessor.