Brasileiros viajam para comprar em outlets
Política

Brasileiros viajam para comprar em outlets


DA VEJA

Viajar é carregar sacolas

De outlet em outlet, turistas brasileiros percorrem Europa e Estados Unidos conhecendo lojas e gastando. Aliás, gastando, não – economizando


Bel Moherdaui

Arquivo Pessoal
VISITA PRODUTIVA 
Flavia, ao fim de um dia de compras num outlet em Barcelona: 
uma mala nova para acomodar as compras

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Viajar é conhecer lugares inusitados, ter contato com outras culturas, perambular por museus, encantar-se em igrejas... Ah, não, vamos falar a verdade: para muitos turistas é, sobretudo, fazer umas comprinhas. Tanto que muitos viajantes têm suas prioridades bem claras: primeiro lojas e depois passeios turísticos. Em lugar de Louvre, Vaticano e Metropolitan, entram Gucci, Diesel e Calvin Klein. Melhor ainda se as grifes sedutoras oferecerem grandes descontos e estiverem agrupadas num outlet, como é chamado o paraíso dos consumistas dignos desse nome. Para quem se encaixa nesse contingente, os Estados Unidos são o sistema solar das compras, Nova York seu principal planeta e Woodbury Common o satélite mais atraente. Situado a uma hora de Manhattan (outlets exigem dedicação – ficam fora dos grandes centros), é uma espécie de shopping a céu aberto com 220 lojas, desde as mais convencionais até marcas estelares como Balenciaga, Chanel, Valentino e Giorgio Armani. Os descontos vão de 25% a 65%. É parada obrigatória do casal Donato e Maristela Galvez, de São Paulo, sempre que visitam a cidade. "Vamos muito a esse outlet e a um em Orlando. Também estivemos agora na Itália e minha mulher foi a um perto de Roma", diz o empresário, que no ano passado foi 
às compras internacionais três vezes. "Compro roupa e sapatos. Minha mulher gosta de bolsas e meus filhos, em geral, compram tênis, roupas esportivas e brinquedos", enumera Galvez. Experiente e resistente, hoje em dia ele vai aos outlets direto do aeroporto e pernoita em um hotel nas proximidades para poder dedicar dois dias inteiros às compras.

O apelo das boas compras a preços de liquidação evidentemente é universal, mas tem especial ressonância no mercado brasileiro. Tanto que causa estranheza a demora em aparecerem por aqui centros de compras com desconto em escala realmente grande, lacuna que começa a ser preenchida. O primeiro grande conjunto de lojas de marca com desconto do Brasil, o Outlet Premium, acaba de ser inaugurado a 70 quilômetros de São Paulo, junto a uma grande rodovia, a Bandeirantes, como é comum nos Estados Unidos. "O que vimos durante a estruturação do projeto é que marcas mais sofisticadas têm apelo muito grande em mercados emergentes, como Ásia e América Latina. Além disso, o outlet propicia um grande nível de consumo a preços vantajosos, e o brasileiro é um povo que consome bem", diz Alexandre Dias, diretor da empresa responsável pelo projeto, a General Shopping Brasil, dona de uma dezena de shoppings populares nas regiões Sul e Sudeste.

O ímpeto aquisitivo dos consumidores nacionais é renomado além das fronteiras. Segundo dados levantados pelo gigante Woodbury Common, onde é comum ouvir português em todos os corredores, as brasileiras estão entre as maiores clientes de marcas como Roberto Cavalli, Diesel e La Perla. "Elas vão fazendo compras e pondo no carro. No fim da tarde, quando acabam, levam um susto com a quantidade de sacolas. No hotel, têm vergonha de entrar com tudo aquilo", entrega o mineiro Nergismar Ferreira, que trabalha como motorista nos Estados Unidos e leva brasileiros ao Woodbury Common ao menos duas vezes por semana. "Diria que 80% da minha clientela vai lá. Certa vez levei três senhoras e precisei tombar os bancos traseiros do carro, que é bem grande, para caberem as sacolas. Só na Chanel, gastaram 7.000 dólares", diz o motorista, que, aliás, dificilmente resiste a fazer uma ou outra comprinha enquanto espera. "O esquema lembra a Disney: você chega, pega um mapa, escolhe os brinquedos e sai comprando", compara a relações-públicas Débora Fagundes Corrêa, 27 anos, que já carimbou o cartão de crédito duas vezes por lá e tem entre as aquisições memoráveis um vestido Marc Jacobs por 90 dólares e um jeans Diesel por 70. Atendente em uma agência de viagem em São Paulo, o que facilita as incursões internacionais, Fabiano Calandrin, 30 anos, dedicou boa parte de uma viagem a Orlando, em abril, às compras, compras e mais compras. Foi a dois outlets, o Premium e o Prime, com três amigos. "Num deles, eu e meus amigos perdemos a noção do tempo e ficamos comprando até as 11 da noite. Acabamos sozinhos, cheios de sacolas e sem táxi para voltar para o hotel", lembra. Experiência traumatizante? Nada disso. Poucos dias depois, lá estava Calandrin no segundo outlet. "Fiquei das 3 da tarde às 8 da noite só comprando. Esqueci de comer e até de beber água."

Na rede europeia Chic Outlet Shopping, que tem centros de compras – ou villages, como preferem – próximos a nove grandes cidades, de Paris a Londres, Barcelona e Milão, os brasileiros não só figuram no ranking das dez nacionalidades que mais compram, acompanhados de chineses, russos e japoneses, como são campeões de gastos em transações individuais: 319 euros em média, três a mais que os americanos. "Nos últimos três anos vimos um grande crescimento de brasileiros em nossos centros, mesmo sem ter feito nenhum tipo de campanha voltada a esse mercado. Sentimos que comprar em outlet é um conceito que foi descoberto pelo brasileiro, passou de boca em boca e virou uma tendência", avalia Desirée Bollier, diretora da Value Retail, empresa que gerencia a Chic Outlet. Segundo Desirée, "os brasileiros não vêm em grandes grupos, como os japoneses e os chineses. Vêm em casais ou duplas de amigos. Adoram marcas e compram produtos de alta qualidade". Em férias na Espanha, a carioca Flavia Ricobella, dona de uma empresa de eventos, confirmou plenamente o perfil ao passar um dia explorando o Chic Outlet de Barcelona. "Gastei um pouco mais do que gostaria. Mas acho que vale muito mais a pena do que comprar nas lojas das marcas no Brasil ou aqui mesmo na Espanha", diz ela. Nas sacolas de Flavia, havia sapatos, blusas, lingerie, produtos de beleza e, item obrigatório na lista dos loucos por outlet, uma boa mala para pôr tudo dentro.


Agora, mais perto de casa

Ricardo Benichio
AGENDA LOTADA 
Luciane (de verde) e os parentes de Londrina:
visitas para conhecer o novo outlet

Como era de esperar, o primeiro outlet multimarcas da América Latina, o Premium São Paulo, abriu há três semanas e já anda lotado: no último domingo, dia 5, passaram por suas cinquenta lojas, de um total de oitenta planejadas, cerca de 10 000 pessoas. Numa das mais concorridas, da Nike, a fila para entrar levava quarenta minutos. Segundo um dos sócios, Cesar Federmann, o público que frequenta esse tipo de comércio é diferente do que vai aos shoppings justamente porque compra muito mais. "No shopping, você dá umas voltinhas e, se eventualmente acha algo interessante, compra. O outlet não funciona assim. Como fica afastado da cidade e tem preços até 80% mais baixos, quem vai lá vai para comprar", diz. Moradores de João Pessoa, na Paraíba, o advogado William Albuquerque, a mulher e os dois filhos souberam do outlet por amigos de São Paulo e viajaram expressamente para conhecê-lo. E conheceram: num único dia, passaram sete horas batendo perna pelas lojas. "Achamos tênis e camisetas de times pela metade do preço", comemora Albuquerque.

Para entrar nas prateleiras do outlet, as mercadorias precisam ter pelo menos 30% de desconto em relação aos preços das lojas. Elas fazem parte, geralmente, de uma ou duas coleções anteriores. Portanto, da data em que chegam à loja até o dia em que desembarcam no outlet, vão-se seis a doze meses (entre esses dois lugares, elas costumam fazer paradas em liquidações e bazares). As peças permanecem à venda até alguém comprá-las, com descontos cada vez maiores. "Gente da minha família, do Paraná ao Tocantins, reservou um quarto na minha casa para vir conhecer essas lojas. E quem já veio comprou muito", diz a esteticista Luciane Proença de Carvalho, de São Paulo, cercada de parentes de Londrina carregados de sacolas. Os preços ainda estão muito longe de ser comparados às barganhas encontradas nos Estados Unidos, mas exibem a palavra mágica: desconto. No dia da visita de Luciane e parentes, um par de óculos escuros Marc Jacobs de 1 100 reais era vendido por 519; um tênis Nike Shox de 599 reais custava 349; um terno Ricardo Almeida de 2 900 saía por 1 419; e cobiçadas calças Diesel, que no shopping custam de 614 a 1 215 reais, lá estavam por 339 a 499 reais.




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