Cabelo branco não é para todas
Política

Cabelo branco não é para todas


Elas não passam em branco

Cabelo grisalho é bacana – para as mulheres fortes, bonitas,
interessantes, bem cuidadas, elegantes e psicologicamente
preparadas para ser chamadas de senhoras o tempo todo


Bel Moherdaui

Fotos Bill Pugliano/Getty Images e Eric Feferberg/AFP
GRAY POWER
As ministras Christine Lagarde (à direita) e Kathleen Sebelius: platinadas poderosas

Elas são profissionais, são políticas e são poderosas. E tão parecidas que é difícil acreditar que ocupem, simultaneamente e em países diferentes, dois ministérios tão importantes. A francesa Christine Lagarde, 53, é ministra da Economia. A americana Kathleen Sebelius, 61, deixou o posto de governadora do Kansas para ocupar a complicada Pasta da Saúde no governo Obama. Além das similaridades mencionadas, a elegantíssima Christine e a mais simples, embora igualmente interessante, Kathleen têm em comum os cabelos curtos e brancos. Uma exceção gritante à regra geral de que as mulheres não ficam velhas, ficam loiras. Para a grande maioria do gênero feminino que a cada vinte dias, mais ou menos, passa no mínimo uma hora diante do espelho, de casa ou do cabeleireiro, cobrindo os incontroláveis fios brancos que teimam em se multiplicar exatamente nos lugares onde ficam mais evidentes, a mera sugestão de deixá-los livres da tintura de uma vez por todas situa-se num ponto entre a piada e o horror. "As senhoras mais velhas me paravam na rua e falavam: ‘Se eu fosse você, pintava’. Até hoje, há quem diga: ‘Que bom que você pintou de novo, remoçou’", relata a atriz Glória Menezes, 74 anos, dois dos quais vividos, com as dificuldades descritas, em branco. "Comecei a pintar aos 27 anos, e nem sabia mais qual era meu tom natural. Raspei o cabelo para uma peça e, quando cresceu, veio completamente branco. Ficou tão bonitinho, tão fashion. Parecia uma francesinha", lembra a atriz, que diz ter sido obrigada a voltar à tintura por motivos profissionais.

Pois é: cabelo branco pode ser chique, autêntico e libertador, mas na maior parte do planeta continua vetado, sinônimo de desleixo, preguiça ou, anátema supremo, velhice. As mulheres pintam os cabelos porque querem se ver e ser vistas como detentoras de pelo menos alguns traços de juventude. E também porque culturalmente isso é aceitável e desejável – ao contrário dos homens, nos quais a artificialidade capilar evoca comparações com Silvio Berlusconi, José Sarney ou Manuel Zelaya. Em compensação, a explicação evolutiva, que virou o manual universal de respostas fáceis para questões complexas, estabelece que as mulheres grisalhas evidenciam a perda dos atributos reprodutivos, enquanto os homens nas mesmas condições emanam poder e distinção, características evidentemente desejáveis. O que nos leva de volta às personagens iniciais: será que só mulheres muito poderosas se sentem livres para assumir a brancura?


Fotos divulgação/Rede Globo, Deborah Feingold e divulgação
EXCEÇÕES ASSUMIDAS
A atriz Cássia Kiss, 51, a cantora Emmylou Harris, 62, e a escritora Anne Kreamer, 53: ao natural


A defesa das sem-tintura é a principal bandeira da americana Anne Kreamer, 53, autora do livro Meus Cabelos Estão Ficando Brancos. Cansada de oscilar durante 25 anos entre tons que variavam do loiro ao berinjela, ela decidiu enfrentar o cabelo grisalho. Descobriu uma espécie de sociedade secreta das defensoras do cabelo branco. "Quase todos os dias recebo mensagem de alguém me agradecendo por ter escrito o livro", contou ela a VEJA. "No começo, eu me senti mais velha, sim. Mas descobri que as únicas pessoas que enganamos quando pintamos o cabelo somos nós mesmas. Fiz uma pesquisa e vi que, em geral, quando a mulher tem mais de 40 anos e pinta o cabelo, as pessoas lhe dão no máximo um ano a menos." A socialite carioca Gisela Amaral, 69 anos, assumidamente grisalha há seis, é mais dura na avaliação. "Sou tratada de senhora, sim. Mas acho que o branco dá categoria", avalia ela, que frequentemente ouve reclamações contra seu cabelo natural vindas das amigas que tingem – "Principalmente as que têm a mesma idade que eu".

Se em particular é complicado, em público fica mais difícil se assumir como representante do gray power, como os americanos chamam o pessoal, digamos, maduro, numa brincadeira com as manifestações de orgulho gay. "Você fica parecendo mais velha, sem dúvida. Com as rugas e o cabelo sem pintar, é inevitável. Mas eu adoro velho", avisa a atriz Cássia Kiss, que pretende cortar o cabelo bem curto em breve para voltar a assumir o grisalho ostentado por curto período, há seis anos. "Tenho um pé no naturalismo, gosto de ioga, não como carne, gosto das minhas rugas, então não foi difícil deixar o cabelo branco. Mas tem de ter um corte bonito." Esta é, claro, a recomendação de todos os cabeleireiros. "O cabelo tem de ser bem branco e bem cortado. E, se deixar amarelar, fica horrível", diz o carioca Mauro Brettas. "Se você está de bem consigo mesmo, no peso adequado, pele bem cuidada, não tem problema usar o branco. Mas tem de estar com um corte legal, mais curto ou Chanel, e bem hidratado. Cabelo branco malcuidado fica com aspecto decadente", avisa Fernando Torquato. Claro que ter um rosto marcante, de traços fortes e naturalmente bonitos, como o da cantora country americana Emmylou Harris, 62, até hoje citada em listas de mulheres sexy, facilita. "Os homens têm certa atração pelo natural", acredita ela. Outros especialistas no assunto pedem licença para discordar. "É bonito no cabelo dos outros", sentencia o cabeleireiro Wanderley Nunes, de São Paulo. "Adoraria aconselhar minhas clientes a deixar o cabelo natural, mas tenho certeza de que iriam perder o marido. Ele pode até achar bonito, mas vai olhar para a mulher de cabelo tingido."




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