Câmbio - a doença é brasileira, não holandesa Nathan Blanche
Política

Câmbio - a doença é brasileira, não holandesa Nathan Blanche


O Estado de S. Paulo - 20/06/2011
 

 

A economia brasileira se depara com dois grandes desafios: internamente, o de como manter uma taxa de crescimento sustentável na ordem de 4% a 5% ao ano, dada a baixa capacidade de poupança doméstica e investimento, tendo de gerar déficits em conta corrente de 3% a 4% do Produto Interno Bruto (PIB). Simultaneamente, os países desenvolvidos precisam manter as condições para a recuperação de suas economias, ou seja, taxas de juros próximas a zero e déficits fiscais, o que resulta em farta expansão de liquidez e contínua desvalorização de suas moedas diante das dos emergentes, principalmente os ditos commodity currencies, como o Brasil.

Para evitar o processo de apreciação do câmbio, o Banco Central (BC) vem adquirindo dólares diariamente e engrossando as reservas, porém a relação custo-benefício disso já não é favorável. Desde junho de 2009, o BC adquiriu quase US$ 100 bilhões sem provocar melhora significativa no prêmio de risco (CDS), que continua no patamar de 110 pontos-base. Ainda, calculando pelo diferencial entre os juros internos e externos, em 2011 o custo fiscal de carregamento das reservas deve chegar aos R$ 54 bilhões.

Diante disso, torna-se difícil defender a simples alegação do BC de que a relação de reservas/PIB do Brasil é baixa (14%) comparada à de outros países. Na verdade, o parâmetro do mercado para cálculo do prêmio de risco é a relação reservas/dívida externa, além da situação fiscal, entre outros fatores. Adicionalmente, a compra sistemática de reservas não só distorce a formação da taxa de câmbio, como incentiva novos influxos, já que a baixa volatilidade incentiva o carry-trade, a arbitragem de taxa de juros para capitais de curto prazo. Assim, o BC poderia adquirir reservas ad infinitum e, ainda assim, não seria capaz de impedir a valorização do câmbio. Ao contrário, prejudicaria o cenário fiscal e pressionaria a taxa de juros. Outro ponto importante é a composição do passivo externo bruto, que, em 2002, tinha cerca de 50% denominada em dólares e, hoje, essa fração representa apenas 25% do total. Ou seja, a necessidade de reservas tão elevadas, de fato, não procede.

A Fazenda, por meio do aumento das alíquotas de Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), obteve algum êxito na tentativa de restringir as operações de carry-trade. Mas, por causa do prêmio oferecido nessa operação, os agentes buscaram brechas para contornar a medida. Por isso persistem os rumores de medidas restritivas adicionais, que incidiriam não só nas operações de financiamento e mercado de capitais, mas no investimento direto, e até mesmo sobre as exportações de commodities.

Vale lembrar que o País depende de poupança externa, e restringir o fluxo de capitais terá impactos significativos no crescimento. A Argentina é um exemplo do que pode ocorrer numa situação-limite. O controle de capitais gerou insegurança política, o que culminou no default da dívida externa e queda de 15% do PIB no primeiro trimestre de 2002.

Por definição, a taxa de câmbio é resultado, e não fato gerador. A alegação de que todas as nossas mazelas provêm da taxa de câmbio não tem fundamento. Conforme estudo da Tendências Consultoria Integrada, a taxa de câmbio de equilíbrio atualizada, considerando o câmbio real e os passivos externos líquidos, é de R$ 1,55/US$, ou seja, próxima do que se observa nas últimas semanas. Assim, o caminho para ganhar competitividade verdadeira e de longo prazo, não só no setor industrial, mas na economia brasileira, é atacar o custo Brasil, não a taxa de câmbio.

Somos campeões em termos de carga tributária (35% do PIB) e, mesmo assim, o governo despoupa 3% do PIB e só investe 1,5% do PIB ao ano. Temos uma infraestrutura precária, altos custos da energia, de encargos trabalhistas e burocráticos. Esses fatores puxam a produtividade para baixo. Por isso, em vez de tratar a taxa de câmbio como a "Geni" da economia, é preciso demandar reformas estruturais básicas, há muito esquecidas.

No atual cenário político, é baixa a probabilidade de reformas estruturais, portanto, para aumentar a produtividade e competitividade, o governo deveria adotar medidas nos âmbitos normativo e operacional no curto prazo, como:

Maior grau de abertura da economia. Hoje, o Brasil é um dos países mais fechados entre os emergentes, com um fluxo de comércio de cerca de 20% do PIB, enquanto a média dos emergentes está acima de 25%. Nossa tarifa média de importação é de 31,4%; na Austrália é de 10%; na Nova Zelândia, de 10,1%; e no Chile, de 25,1%.

Liberalizar e modernizar os normativos cambiais não só para capitais externos, mas principalmente para os residentes. Convivemos com leis e regras que datam de 1933. A livre conversibilidade e o aumento dos limites à participação de estrangeiros nos investimentos são outras medidas necessárias.

A volta das privatizações e o aumento das concessões, principalmente no que se refere à infraestrutura.

Aumento dos convênios bilaterais de comércio com nossos principais parceiros.

E a desindexação dos contratos e redução gradual da meta de inflação a partir de 2013, em direção a 3% ao ano.




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