CARLOS ALBERTO SARDENBERG Lula: fé ou propaganda?
Política

CARLOS ALBERTO SARDENBERG Lula: fé ou propaganda?


O presidente Lula parecia sincero, lá em Colinas, Tocantins.
Tirou o boné da cabeça, movimentou o corpo para acentuar as palavras e quase gritou: “Não tem nenhum país do mundo mais preparado para enfrentar essa crise.” A cena ficou boa, deu televisão na terça à noite.
Ora, há muitos países em condições semelhantes às do Brasil e muitos mais bem preparados para enfrentar a tormenta.
E isso coloca as alternativas.
Será que o presidente acredita no que diz? Ou será que está, conscientemente, fazendo agitação e propaganda, não importa a verdade? Na primeira hipótese, é grave. Indicaria um presidente mal preparado e, pior, mal assessorado. Mostraria também um governo despreparado para enfrentar a crise, se não consegue nem entendê-la.
Na segunda, também é grave. O presidente tem a obrigação de dizer aos cidadãos qual a situação exata do país e quais as políticas necessárias. Mas se Lula quer “passar” para a população uma informação positiva, e falsa, seu governo vai acabar adiando determinadas medidas porque elas poderiam dar a impressão contrária.
Talvez já esteja acontecendo. Informações de Brasília dão conta de que o governo hesita em tomar medidas para amenizar o desemprego, como o aumento do seguro, porque isso seria como confessar que haverá desemprego. O que esperam? Que a torcida e a propagação de falsas mensagens positivas levem as empresas a não demitir? Que as companhias acreditem no presidente e não nas vendas em queda? E, de fato, Lula tem reclamado com os empresários, acusando-os de medidas precipitadas e de não confiar no Brasil, ou seja, no governo dele.
Objetivamente, qual a força do Brasil nessa crise? Eis um bom exemplo: em novembro, o mercado de câmbio registrou um déficit de US$ 7,1 bilhões, a maior saída de dólares desde o déficit de US$ 8,5 bilhões de janeiro de 99, quando mudou o regime de câmbio no Brasil, com uma maxidesvalorização. Aliás, também houve uma máxi agora.
Mas comparem: em 99, o comércio externo brasileiro total era de US$ 100 bilhões/ano, com 50 de exportações e 50 de importações.
Neste ano, o comércio externo deve atingir US$ 379 bilhões, com um superávit de US$ 23 bilhões. Ou seja, a capacidade do país de obter dólares bons, com a venda de mercadorias, é quatro vezes maior.
As reservas do BC em dezembro de 98 eram de US$ 44 bilhões; hoje, algo como US$ 205 bilhões. Resumo da ópera: uma fuga de 8 bilhões em 99 era crise no balanço de pagamentos; hoje, não chega nem perto disso.
Portanto, primeira e maior força, o bom estado das contas externas — o país e o governo são credores em dólares, de modo que a dívida não aumenta com a desvalorização do real.
Segunda força: a inflação controlada com o regime de metas. Terceira: contas públicas equilibradas, com superávit primário e pagamento de juros, de modo a reduzir o endividamento público.
Ou seja, desta vez, o Brasil sofre, mas não quebra.
Mas há muitos países com condições semelhantes naqueles três quesitos.
E muitos em condição superior. A China, por exemplo, tem mais reservas, mais exportações e mais superávit cambial e nas contas públicas. Idem para boa parte dos emergentes asiáticos.
E muitos não têm os pontos fracos brasileiros. O Brasil entrou na crise com: • o real muito valorizado, o que intensificou a atual desvalorização; • a taxa de juros muito elevada, o que dificulta a política de estimular o crédito; • carga tributária muito elevada (37% do PIB, contra 22% da média dos emergentes) e gasto público muito alto em custeio, pessoal e Previdência, o que impede aumentar os investimentos; • inflação indexada, com contratos reajustados anualmente, o que impede a queda forte da inflação, o que, de sua vez, impede a queda maior da taxa de juros.
Todos esses são fatores que o governo Lula poderia ter reformado se não tivesse simplesmente apanhado a boa onda mundial, aproveitando a base deixada. Vai ver o presidente acreditou mesmo que tudo de bom que aconteceu no Brasil deve-se apenas a ele, assim como acredita agora ser capaz de segurar a crise com seus discursos.



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