Celso Ming - É furar e furar |
O Estado de S. Paulo |
26/8/2008 |
Ainda há confusão demais no debate sobre a produção do petróleo nas camadas pré-sal. E uma das confusões recorrentes é a de que bastaria uma negociação entre as partes interessadas para definir como será partilhado o petróleo lá encontrado. Não é tão simples. Primeiramente, convém delimitar a área. A camada pré-sal se estende na plataforma continental brasileira por 3 mil quilômetros, de Santa Catarina ao sul da Bahia. Já foi encontrado petróleo pré-sal na Bacia de Campos, no Espírito Santo (área de Jubarte) e na Bacia de Santos. No caso de Jubarte, as rochas produtoras se dispõem em beliche. No início, a Petrobrás descobriu petróleo de qualidade inferior acima dessa camada. Depois, encontrou petróleo de melhor qualidade abaixo dela. As duas camadas estão em produção. Portanto, já há aí um fato consumado. Dizer que todo o pré-sal será apropriado pela União é um disparate. As discussões estão centradas na província (ou cluster) situada na Bacia de Santos. Lá estão os campos que têm os nomes provisórios de Carioca, Pão de Açúcar, Parati, Tupi, Júpiter, Guará, Caramba, Iara e Bem-te-vi. São oito as empresas que estão furando a área, em associação. A hipótese mais provável é a de que todos ou alguns desses campos sejam interconectados. Quando essas panelas geológicas se intercomunicam, é preciso um acordo que defina investimentos e apropriações de modo a que nenhuma sugue a sopa da outra. Trata-se do acordo de unitização. Nesse pedaço da Bacia de Santos, há áreas que correspondem a demarcações já feitas, mas ainda não licitadas, e depósitos que podem se expandir para além das áreas que alguém riscou sobre o mapa para licitação. Estas são da União. Os geólogos imaginam que são de direito dela algo entre 30% e 40% do petróleo de toda a província. O problema é que, para saber com alguma precisão o que há lá embaixo, como se estende e como o óleo está interligado, é preciso muita broca. É furar, furar e furar, a um custo hoje estimado em US$ 60 milhões por poço. A União não tem nem recursos nem tecnologia para fazer as avaliações que encaminhem a um acordo de unitização. E nenhuma empresa se arriscará a despejar bilhões em investimentos sem antes ter clareza sobre as regras do jogo que prevalecerão. A idéia de que a União poderia desapropriar as áreas onde já foi encontrado petróleo e indenizar as empresas com direitos de exploração e produção, como admitido pelo ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, esbarra em pelo menos quatro incógnitas de solução complicada. A primeira é a de que o Tesouro não dispõe de recursos para a desapropriação, a menos que os tome por empréstimo, e aí estaríamos falando do aumento da dívida. A segunda é a de que não se sabe o que teria de ser desapropriado, pois se ignoram a extensão e a profundidade das áreas. Terceira, não se sabe quanto vale o petróleo na condição em que está. E, quarta, a União não conseguirá fazer nada sem capitais externos para bancar o investimento. E uma operação de desapropriação só concorreria para afugentá-los. O risco é o de que a falta de definições e, mais do que isso, o desrespeito às regras do jogo no meio do jogo adiem indefinidamente a extração do petróleo pré-sal. CONFIRA Nada confiável - A revista The Economist desta semana não põe em dúvida apenas as estatísticas da inflação argentina, sabidamente manipuladas. Põe em dúvida, também, a robustez do crescimento econômico, supostamente de 8,3% ao ano. A razão: Para o cálculo do PIB é preciso submeter a renda nacional a um deflator implícito, que é mais do que o custo de vida, porque tem de levar em conta também os preços no atacado. Se a inflação argentina de fato é três vezes superior à das estatísticas oficiais, também estão sob suspeita os números (deflacionados) do PIB. |