Os bancos passaram meses atordoados com o inesperado aumento da inadimplência no crédito às pessoas físicas. Tudo se passou como se coisas novas estivessem acontecendo nesse mercado. E, de fato, aconteceram.
Os relatórios oficiais do governo da presidente Dilma Rousseff falam com entusiasmo dos cerca de 40 milhões de pessoas incorporadas às classes médias de consumo no Brasil nos últimos dez anos. É gente que passou a se alimentar mais adequadamente, a estudar mais, a ter acesso a uma conta bancária, a um plano de saúde. E tem agora automóvel, geladeira, celular, cartão de crédito e começa a viajar de avião.
Para o bem e para o mal, tudo isso muda muita coisa na vida e, principalmente, muda muita coisa no orçamento doméstico. Essas pessoas começam a entender que ser classe média também custa mais caro e planta armadilhas econômicas na vida diária.
Comprovaram no próprio bolso, por exemplo, que comprar um carro é mais do que levantar um financiamento e pagar as prestações mensais. Implica mudanças de padrões de consumo que, mal administradas, podem derrubar o consumidor em buraco difícil de sair. O novo dono de um carro logo vê que é empurrado a novas despesas e novas tentações. É IPVA, licenciamento, seguro, taxa de inspeção veicular, despesa com combustíveis, lubrificantes, estacionamento, lavagem, mecânica, pedágio, flanelinha, fim de semana na Praia Grande e esticadas com as crianças no Simba Safári.
O sujeito vai, é claro, exibir seu carrão para a parentada e para os amigos, como sugerem os anúncios. E isso também custa mais dinheiro. Levar a namorada ao shopping, por exemplo, acarreta despesas inesperadas. E esse é só o começo de uma lista interminável de novas demandas, como ocorre também com quem passa a pilotar um celular, a internet ou a TV por assinatura. Todas essas situações contribuem para que o salário acabe antes do final do mês, sina de qualquer pobretão.
Não é somente o consumidor que vem tendo de aprender com situações novas. Os bancos também vêm apanhando. Aparentemente, ao fazerem a avaliação de risco de um empréstimo para esses seus relativamente novos clientes, os bancos não consideraram o impacto de sua nova condição de consumidor de classe média sobre a renda familiar.
Tudo isso não desembocou meramente na elevação da inadimplência (mostrada no gráfico). Também mudou algo na administração das garantias. Expandiu a diferença entre os preços do carro usado e do carro zero. É uma realidade que sepultou de uma vez um conceito estranho, que teve tanta força nos tempos de inflação: o de que automóvel é "investimento". Outro impacto foi certa deterioração da principal garantia em vigor no empréstimo bancário de um veículo: a reserva de domínio. Em grande número de casos, a retomada do veículo nas inadimplências deixou de cobrir o saldo devedor.
Enfim, o crescimento dos segmentos de classe média no Brasil está mudando hábitos de consumo, traços de comportamento e práticas de administração financeira. Ainda está para ser avaliado o impacto dessas mudanças na própria cultura brasileira e na administração da política econômica.