Política
Ciência e paciência - FERREIRA GULLAR
FOLHA DE SP - 14/04
Nem sempre a sabedoria dos mais velhos ajuda os mais jovens. O jovem quer errar, precisa errar
Houve época em que a idade era tida como qualidade, mas, de uns tempos para cá, caiu em descrédito. Nos anos 60, tornou-se comum dizer-se que não se devia confiar em ninguém que tivesse mais de 30 anos. Descobriu-se, então, que ser jovem era o único valor real e que a chamada sabedoria dos mais velhos era simples balela.
Os que diziam isso, naquela época, hoje têm mais de 50 anos e não sei se continuam a afirmar a mesma coisa ou se ensinam a seus filhos o que aprenderam com a idade.
Por exemplo, que o consumo de drogas, a que se entregavam entusiasticamente naquela época, levou muitos amigos seus à loucura ou à morte precoce. Mas, se o fizerem, correm o risco de ouvir deles que não confiam em ninguém que tenha mais de 30 anos de idade, pois foi o que aprenderam com os próprios pais.
De fato, aos 20 anos, a gente não sabe muito da vida. Tampouco os mais velhos sabem tudo. Se aquela frase irreverente expressava a necessidade de uma geração de romper com os valores estabelecidos e entregar-se ao desvario beatnik, há que levar em conta que cabe aos jovens inventar a própria vida e, para isso, têm que, às vezes, não ouvir os conselhos dos pais.
É que nem sempre a sabedoria dos mais velhos ajuda os mais jovens. E mais que isso, o jovem quer errar, precisa errar, porque é errando que se aprende. Não adianta a mãe advertir o filhinho de não tocar o dedo na chama da vela, pois fogo queima. Ele só acreditará depois de queimar o dedo.
Bem, toda essa conversa vem a propósito de minha irritação com a barulheira desta rua onde moro. Desta vez, foi um vendedor de laranjas que apregoava as virtudes de sua mercadoria, berrando num alto-falante posto em cima de uma caminhonete.
Minha filha Luciana, que me visitava na ocasião, preocupada com meu estado de espírito, aconselhou-me a mudar de apartamento e buscar uma rua tranquila, como aquela onde mora. Minha reação a seu conselho deve tê-la surpreendido.
-- Sair eu deste apartamento onde moro há 30 anos?! Nunca! Já pensou na quantidade de livros que teria que transportar e rearrumar na outra casa? Prefiro enlouquecer aqui mesmo.
Foi a minha primeira reação. Logo, mudei de tom e lembrei-lhe de que, mal me instalara aqui, descobri que, sob meu quarto de dormir, funcionava uma boate. Iniciou-se uma luta que durou anos e que terminei vencendo. Se não saí naquela época, não seria agora que o faria.
E quando os meninos da vizinhança passaram a jogar bola embaixo de minha janela? Era todos os dias, no final da tarde. Eles, na verdade, menos jogavam do que gritavam, se esgoelavam. Um inferno.
Desesperado, comecei a engendrar um plano para acabar com aquilo e concluí que o mais eficaz seria quebrar meia dúzia de garrafas e jogar os cacos de vidro na calçada. Encontrada a solução, fui dormir naquela noite mais conformado, sem calcular as consequências daquele plano. Sucedeu que, dois dias depois, à hora de sempre, não houve a pelada. Nem no dia seguinte, nem nunca mais.
Achei ótimo, mas não me dei ao trabalho de refletir sobre o fato. Não muito depois, foi um vendedor de uvas que, todos os dias, a partir das três da tarde, começava a gritar num alto-falante: "Uvas por dois reais! É só hoje e não tem mais!".
Isso durou semanas, mas um dia acabou também. Senti-me aliviado e não pensei mais no assunto, mesmo porque o que nos desagrada a gente trata, se possível, de esquecer.
E não é que, certa noite, dois caras começaram a conversar aos berros debaixo da minha janela. Além do berro em si mesmo, irrita-me especialmente o fato de que o sujeito está junto do outro, mas berra como se estivesse do outro lado da rua.
Tive vontade de descer, ir até eles e lhes dar um esporro. Mas pensei um pouco, fui até a cozinha tomar um gole d' água e, quando voltei à sala, eles tinham ido embora ou se calado. Então refleti: se eu tivesse dado um esporro neles, teria ganho dois inimigos e eles, para me irritar, estariam possivelmente berrando até agora. E ainda teria ganho dois inimigos.
Terminei aprendendo: espere passar, pois tudo passa. A sabedoria é ter paciência e não se estressar nem brigar. Mas isso só se aprende com a idade.
loading...
-
E Durma-se Com Um Barulho Desses Ferreira Gullar
FOLHA DE SP - 09/10/11 Porque tenho um livro de poemas intitulado "Barulhos", pode alguém imaginar que gosto de barulho. Estará enganado, odeio-o. Pode ser que, por causa da idade, meus ouvidos, com o passar dos anos, tenham se tornado mais sensíveis....
-
Sabedoria Danuza LeÃo
FOLHA DE SÃO PAULO - 15/05/11 Não se queixe, não reclame, não chore, não se descabele, apenas espere -porque sempre passa SE ALGUÉM perguntar se sua vida foi, até agora, um sucesso ou um fracasso, o que você vai responder? Detalhe: dinheiro não...
-
Ferreira Gullar Mudanças Na Rua Duvivier
Várias boates fecharam as portas para sempre; era uma área de intensa vida noturna nos anos 50 e 60 QUE AS COISAS mudam, a gente sabe, mas nem sempre se repara. Felizmente. E eis que, hoje, indo por minha rua, a Duvivier, em direção à praia, após...
-
Danusa LeÃo A Mania De Mudar
FOLHA DE SÃO PAULO - 05/04/09 A cada casa que vejo, acho que a minha, além de ser um lixo, deveria ser no estilo daquela TEM GENTE QUE não sossega; não porque não queira, mas porque não consegue. Eu sou um desses casos perdidos. Adoro me mudar...
-
Ferreira Gullar A Lei Do Cão
Por toda parte, nos subúrbios, é a mesma coisa: os bandidos mandam e desmandam SE O SENHOR é jornalista, o melhor é parar a conversa por aqui, porque não quero me meter numa fria, entendeu? Sou casada, tenho marido e filho para criar. Se esse...
Política