Claudio de Moura Castro
Política

Claudio de Moura Castro


Academia de ginástica (mental)

"Sem o desenvolvimento do método científico, não teríamos
os avanços tecnológicos que tanto beneficiam a humanidade"

As primeiras ondas encantaram os turistas. Eles ficaram então esperando as próximas. Contudo, foram salvos por uma inglesinha bem jovem, em cujo livro de ciências estava explicado o que era um tsunami e que perigos trazia. Que corressem todos, o pior estava por vir! Em contraste, alguns pobres coitados de Goiânia receberam doses fulminantes de radiação ao desmontar o núcleo radioativo de um aparelho de raio X vendido como sucata. Os turistas foram salvos pelo conhecimento científico da jovem inglesa. Os sucateiros foram vítimas da sua ignorância científica. Não é fortuita a nacionalidade de cada um.

H. Habermeier mostrou que, dentro de níveis comparáveis de qualidade da educação, os países com melhor desempenho em ciências obtinham resultados econômicos mais expressivos. Ou seja, há argumentos poderosos sugerindo o efeito de uma boa base científica no desempenho econômico. Estamos cercados de aparelhos com extraordinária densidade de ciência e tecnologia. Decifrar e manipular a natureza é crítico para a nossa produtividade. A liderança do país no etanol requer que um reles pé de cana incorpore melhoramentos genéticos de altíssima complexidade.

Esses argumentos vêm sendo repetidos ad nauseam. Apesar disso, é lastimável o desempenho brasileiro em ciências. Nas provas do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa), o Brasil está entre os últimos lugares, abaixo da média da América Latina, um continente de pífio desempenho educativo (vejam o livro recente O Ensino de Ciências no Brasil, do Instituto Sangari). Quero trazer mais dois argumentos possantes. O primeiro tem a ver com a ideia de que aprender a pensar é uma das tarefas mais nobres e mais árduas da escola. Mas, ao contrário do que almas ingênuas poderiam imaginar, não se aprende a pensar em cursos do tipo "Como pensar". Aprende-se pensando sobre assuntos que se prestam para tais exercícios. E, entre eles, as ciências oferecem um campo excepcional. Exercitamos os músculos nas academias. E exercitamos os músculos do intelecto lidando com as ciências e outros assuntos de lógica exigente. Que fantástica academia para exercícios mentais são as teorias científicas! O rigor das definições, a precisão das leis e as abstrações disciplinadas oferecem um terreno ideal para ginásticas simbólicas. Portanto, mesmo que os conhecimentos não servissem para melhor operar em um mundo complexo, a ginástica mental que permitem é uma das fases mais nobres do processo educativo.

Ilustração Atômica Studio


Vejamos o segundo argumento. Se pensamos na contribuição da Europa nos últimos cinco séculos, muitas ideias nos vêm à cabeça. Mas talvez uma das mais decisivas tenha sido o desenvolvimento do método científico, salto que teve Bacon e Descartes como ícones. Por trás dos gigantescos avanços científicos está o método. Com ele, a ciência avança, seja com passinhos, seja com saltos. Não há marcha a ré, pois até o erro educa.

O método impõe a disciplina de formular as perguntas de maneira rigorosa e sem ambiguidades. Em seguida, propõe e fiscaliza um plano de ação para verificar se as hipóteses para responder às perguntas, de fato, descrevem o mundo real. Sem essa disciplina para escoimar de imprecisões e equívocos a busca científica das respostas, não poderíamos ter confiança nos resultados. A vulgarização do poder da ciência se traduz nas afirmativas publicitárias de que "a ciência demonstrou...".

Sem o desenvolvimento do método científico, não teríamos os avanços tecnológicos que tanto beneficiam a humanidade. Mas o meu argumento aqui vai em outra direção. O método tornou-se uma espécie de roteiro seguro para pensar bem sobre todos os assuntos, não apenas para fazer pesquisas. Quem aprendeu a pensar como cientista e a usar o método científico tem um raciocínio mais enxuto e rigoroso. As perguntas são mais bem formuladas e já facilitam a busca sistemática das respostas. Não importa o assunto (mas, obviamente, uma boa base científica apenas dá a embocadura para entrar com segurança no assunto, não substitui o conhecimento específico). Só falta dizer que há uma enorme diferença entre aprender a pensar como um cientista e decorar fórmulas, teoremas e leis. Infelizmente, nosso ensino pende para a segunda versão. E o Pisa joga isso na nossa cara.

Claudio de Moura Castro é economista
claudio&moura&[email protected]




loading...

- São Paulo Sobe 21 Posições Em Ranking De Produção Científica
Um relatório divulgado na Grã-Bretanha diz que São Paulo subiu da posição 38 para o 17º lugar em um ranking de cidades com mais publicações científicas no mundo. De acordo com o estudo feito pela Royal Society, a academia nacional de ciência...

- O Método Científico Em Galileu, Bacon, Descartes E Newton
Quando falamos hoje em ciência moderna devemos ter como referência os séculos XVI e XVII que foram importantíssimos no processo de construção da mesma, eles ficaram conhecidos na história como a Idade da Revolução Científica. Segundo CAPRA (2006,...

- Educação, Ciência E Tecnologia: Prioridades Do Novo Governo
por  Jorge Werthein Correio Braziliense - 10/01/2011 Doutor em educação pela Stanford University, foi representante da Unesco no Brasil e é vice-presidente da Sangari Brasil e do Instituto Sangari A presidente Dilma Rousseff foi clara em seu...

- O Verdadeiro Gargalo De Engenheiros - Fernando PaixÃo E Marcelo Knobel
FOLHA DE SP 09/09 Abrir mais vagas não adianta, nossos alunos têm limitações. A maioria não tem habilidades mínimas em matemática. O resultado é a evasão dos cursos Entre as questões em debate em educação, destaca-se hoje a quantidade de...

- Qualidade Em Xeque Merval Pereira
O GLOBO - 18/09/11 O resultado do mais recente Exame Nacional de Ensino Médio (Enem), que revelou um incrível desnível das escolas públicas em relação às escolas privadas do país, além de colocar em discussão a qualidade do ensino em si, está...



Política








.