Claudio de Moura Castro
Política

Claudio de Moura Castro


Ônibus é educação?

"A globalização é vista como ameaça.
Mas aprender com o que deu certo em
outras partes também é globalização"

Um prefeito do Vale do Jequitinhonha fez questão de me mostrar seus dois ônibus escolares, recém-importados dos Estados Unidos. Com eles, eliminava as escolas rurais de classes multisseriadas. Ou seja, escolas com apenas uma sala de aula reunindo alunos de várias séries no mesmo espaço. Pior, obrigando a única professora a lidar ao mesmo tempo com alunos de diferentes níveis de conhecimento. Faz mais de um século que as escolas começaram a separar os alunos de acordo com o ano em que ingressaram. Isso permitiu ensinar a cada grupo o que corresponde ao seu nível de avanço. É a escola que conhecemos. O que hoje parece uma invenção trivial trouxe uma pequena revolução.

A Unesco e o Banco Mundial revisaram as pesquisas sobre o desempenho das escolas multisseriadas na África, na Ásia e em outras regiões pobres. Quase sempre os resultados obtidos nessas escolas são amplamente inferiores aos das seriadas. Portanto, devemos louvar o prefeito, por haver comprado seus ônibus. Será? Em conversa com Thorsten Husen, considerado o decano dos educadores europeus, perguntei-lhe o que achava das escolas multisseriadas. Ele me ofereceu dois comentários. O primeiro é que havia estudado em uma, na zona rural da Suécia. O segundo é que não se sentia absolutamente prejudicado por haver freqüentado tal escola. O ensino era, pelo menos, tão bom como o das outras.

Ilustração Atômica Studio


Ainda hoje, sem exceções, todos os países europeus adotam essas escolas. Seu número é significativo. Os Estados Unidos e o Canadá também. Há muitas escolas assim, e elas voltaram a se expandir nas últimas duas décadas. No mundo, cerca de 30% das escolas têm três salas ou menos. No Canadá, 16% dos alunos estudam em classes multisseriadas. Ainda mais relevante, nos países mais ricos, as avaliações revelam resultados obtidos nessas escolas em nada inferiores aos das outras, como já havia indicado Husen. Podem até ser melhores. E são respeitadas. Não sofrem preconceitos, como aqui. Aliás, entre nós, são preconceitos quase sempre justificados, pois apresentam pior desempenho.

Perpetuou-se nos países mais pobres a idéia de que a escola multisseriada é um ícone do atraso educativo. Só se justifica quando não há densidade demográfica para preencher várias salas nem recursos para os ônibus. Mas não serão os ônibus um grande equívoco? O prefeito gastou um dinheiro que não precisava? Milhares de outros prefeitos oneram as despesas da educação rural com transporte. Os ônibus, freqüentemente, dobram os custos por aluno. Curiosa situação: os europeus, ricos e gastadores com o ensino, adotam escolas com apenas uma sala, misturando todas as séries. Nós, pobretões, desdenhamos essas escolas e corremos a comprar os ônibus que permitem recolher a meninada toda e juntá-la em uma unidade maior, com a seriação convencional.

O enigma é de simples solução. Faz mais de 100 anos que estamos lidando com escolas em que, para cada série, há uma sala. Com a experiência, já secular, aprendemos a lidar com elas. Em contraste, rigorosamente nada conhecemos das técnicas de manejo de escolas multisseriadas. Não é surpresa que a improvisação inevitável dê maus resultados. Os professores não têm idéia do que fazer. Os países bem-sucedidos com essas escolas desenvolveram soluções eficientes que permitem manejar as turmas com pleno sucesso. E essas técnicas são tradicionalmente ensinadas nos cursos de formação de professores.

Complicadas demais? Vejam as áreas rurais da Colômbia, onde nasceu a Escuela Nueva, programa para escolas multisseriadas. Lá foi feito substancial investimento para desenhar os métodos e técnicas apropriados. E valeu a pena, pois o rendimento dos alunos é superior ao apresentado pelos que estudam em escolas urbanas. Deu tão certo que a Escuela Nueva está sendo adotada na zona urbana. E, se consegue sucesso nas montanhas de Cali, teria de funcionar no Brasil. Já há algumas réplicas, nos estados do Norte e Nordeste. E em vários casos elas funcionam muito bem. A globalização é vista como ameaça. Mas aprender com o que deu certo alhures também é globalização.




loading...

- Escola Pública X Escola Particular
Pela primeira vez o Brasil aplicou uma avaliação para medir a qualidade da alfabetização dos estudantes e diagnosticar problemas logo no início da vida escolar. Os resultados são alarmantes e mostram que as desigualdades entre as redes pública...

- Odilo 13 E O Projeto De Escola Integral Inteligente. Leia E Compartilhe
                          (Foto: João Bittar)Odilo 13 tem a consciência que é preciso manter por mais tempo crianças e jovens...

- A Causa Da Indisciplina: O Telemóvel
O video que abriu os telejornais tem provocado espanto. Reinicia-se assim a discussão da indisciplina nas escolas É natural que assim seja. O que não é natural é que o Conselho de Escolas atribua todo o problema ao uso dos telemóveis. O Jornal da...

- Rankings Das Escolas: Comparar O Incomparável
Os apologistas dos rankings das escolas, que têm em José Manuel Fernandes o seu guru, defendem que estas listagens são positivas para fomentar a competitividade e o brio das escolas. Será que tal tem acontecido? Tenho muitas dúvidas. Como comparar...

- Bagunça Tóxica Cláudio De Moura Castro
Veja - 06/01/2014  Ao serem divulgados os resultados das primeiras provas do Enem, um grande grupo educacional encomendou uma pesquisa com os alunos das dez melhores escolas do Brasil. Pois não é que eram todas bem parecidas? Chamava atenção...



Política








.