Crime impune - Mírian Leitão
Política

Crime impune - Mírian Leitão


O Globo - 29/01/2009
 

O Tesouro americano, no governo Bush, beneficiou de forma espantosa acionistas, credores e executivos dos bancos. Só para efeito de comparação, no Proer, acionistas perderam suas ações e administradores responderam na Justiça. Nos EUA, eles continuam com todos os seus direitos, apesar do custo que representaram para o contribuinte. Até agora, o governo Obama não mudou isso.

O Fundo Monetário Internacional recomendou um esforço intenso das autoridades dos países ricos para a eliminação dos ativos problemáticos dos bancos. O FMI, em 9 meses, mudou sua previsão de perda com a crise bancária de US$900 bilhões para US$2,.2 trilhões. Ontem, o mercado comemorou a notícia de que haverá um "Bad Bank" que vai comprar os ativos tóxicos dos bancos. De novo, seria o dinheiro do contribuinte entrando como serviço de limpeza para faxinar os papéis produzidos pela irresponsabilidade de quem concedeu empréstimo a quem não podia pagar, pela má gestão dos executivos, pela leniência dos acionistas.

No Brasil, o Banco Central separou os ativos podres e bons dos bancos que quebraram, criando um banco podre e um banco bom. O primeiro ficou no BC, e muitos desses ativos acabaram voltando a se valorizar; os ativos bons foram vendidos aos outros bancos. O BC financiou o comprador dos ativos bons, para que ele garantisse o dinheiro dos depositantes, mas, como as instituições estavam quebradas, ou seja, com patrimônio líquido negativo, os acionistas perderam tudo, e os administradores e controladores, no caso do Nacional, por exemplo, em que houve comprovação de fraude contábil, enfrentaram a Justiça.

A imprensa americana não tem mostrado o flagrante abuso que as fórmulas de salvamento representam, com enormes volumes de dinheiro do contribuinte e nenhuma punição para os responsáveis. O ex-presidente do BC Armínio Fraga, numa conversa comigo esta semana, disse que a imprensa americana tem sido "delicada, para não dizer omissa", em mostrar como os acionistas e executivos têm sido "extremamente bem tratados" pelos planos de resgate.

A idéia do "Bad Bank", de o governo criar uma agência para limpar os ativos podres dos bancos encrencados, já havia sido apresentada como parte do fracassado plano inicial do então secretário do Tesouro Henry Paulson. Na época, ficou claro que era difícil estabelecer valor para um ativo quase já sem valor no mercado. A ideia foi abandonada em favor da proposta do primeiro-ministro britânico, Gordon Brown, de simplesmente pôr dinheiro nos bancos em troca das ações desses bancos. A Inglaterra tem estatizado bancos, e os EUA têm feito isso também, em alguns casos, como o da seguradora AIG.

As notícias de que a velha ideia de Paulson está sendo apresentada como nova pela equipe de Obama já catapultou as ações dos bancos nos últimos dias. Como o valor está muito baixo, bastou uma boa notícia para que o Citi subisse 18%, o Bank of America, 15%, o Wachovia, 24%. O espantoso é que tudo se passa como se para os acionistas e executivos, que tomaram as decisões malucas que arruinaram as instituições e ameaçam a economia, não deveria caber nenhum tipo de punição. Isso sem falar nas auditoras e classificadoras de risco que atestavam que aqueles bancos e papéis eram ativos de excelente qualidade.

Obama investiu essa primeira semana em marcar os pontos de mudança na política internacional, ambiental e de conduta, mas na economia, o plano que já havia sido preparado na transição, e que foi a votação ontem, tem o mesmo conjunto de medidas tradicionais. A proposta apresentada como nova, a de comprar os ativos podres, não é nova. Foi abandonada no governo passado por ser considerada inexequível. Ainda é vista assim pelos bancos, mesmo os que defendem a ideia. O argumento é que não há outra saída a não ser limpar os ativos dos bancos, só que ninguém sabe dizer como, quanto, de que forma e por quanto comprar quais ativos de que bancos. Há muitas perguntas sem resposta neste mecanismo.

A avaliação de muitos economistas é que, apesar de todos os aportes de capital - só os grandes bancos americanos receberam cheques de valores entre US$25 bi e US$15 bi cada um -, o sistema bancário continua insolvente, o que impediria a recuperação da economia. Há quem proponha a simples estatização geral dos bancos nos países ricos, para venda futura.

O pacote de estímulo econômico do governo Barack Obama repete as soluções convencionais de redução de impostos e estímulos em investimento público. Não tem, no entanto, uma solução nova para o problema da instabilidade financeira que ainda continua. O que falta nesta crise é um plano consistente para resolver o problema dos bancos. O Tesouro e o Fed improvisaram durante os últimos meses do governo Bush, cada hora indo numa direção. Agora, o novo governo começa a falar na primeira solução pensada por Paulson, que é a compra de ativos podres, e bate nos mesmos obstáculos. O plano de saneamento tem que ser consistente, remover essa fonte de incerteza, mas tem que contemplar também punições e perdas financeiras para os responsáveis. Do contrário, será um gigantesco incentivo ao mau comportamento.

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