O GLOBO - 23/05/10
Nesta etapa da crise econômica global fica mais eloquente que o mundo vive uma crise de liderança.
A Alemanha baixou regras para proteger seu próprio mercado do excesso de especulação como se não fizesse parte de um zona monetária comum. A Inglaterra se isola como uma ilha. Os Estados Unidos olham para dentro dos seus imensos desafios internos.
A Alemanha baixou regras para proteger seu próprio mercado do excesso de especulação como se não fizesse parte de um zona monetária comum. A Inglaterra se isola como uma ilha. Os Estados Unidos olham para dentro dos seus imensos desafios internos.
A líder Angela Merkel disse que o euro está em perigo.
Ora, o euro é nada mais do que a moeda da Alemanha e de outros 15 países, a mais ousada aposta monetária do mundo, a segunda moeda de referência, que está presente em todas as reservas cambiais dos países.
O mundo em geral, a Europa em particular, olha para a Alemanha à espera de que o país saiba o que fazer nessa situação extrema, não que apenas anuncie o risco que todos veem e tente montar internamente alguma barreira ao ataque especulativo.
Não há solução solitária para um dos países, muito menos para o maior país da região.
Acusada por ter tomado a decisão unilateral de limitar as operações a descoberto, que dão liquidez ao mercado mas geram mais volatilidade dos ativos, a Alemanha mandou sinais de que gostaria muito de ter a companhia de países como a França e a Inglaterra.
A França de Nicolas Sarkozy deixou vazar a informação de que se a situação piorar pode deixar a moeda comum. Isso seria um golpe violento contra o euro, mas seria também um tiro no escuro para a própria França. Haverá vida estabilizada depois da morte do euro? Os arquitetos da moeda nunca pensaram em como organizar a economia de qualquer país na hipótese de abandono do zona do euro. O que fará um país como a Grécia, por exemplo, com passivo em euro se tiver que ter ativos em dracma? A própria França não escaparia desse desequilíbrio se tentasse recuar suas tropas de volta ao franco.
Não há alternativa a não ser atravessar, com seu exército, o inverno do euro.
Os Estados Unidos, onde se originou essa crise, nascida das espantosas falhas da regulação americana, mergulha-se em si mesmo.
O país retoma o crescimento, mas engasga na recriação de empregos. O governo Barack Obama tem vitórias no Congresso em lutas domésticas como a reforma da saúde, mas começa a enfrentar o suadouro das eleições de meio de mandato. Na quinta-feira, comemorou outra vitória na aprovação da nova regulamentação do mercado financeiro. De novo, é mais um passo isolacionista em vez do propósito original de uma solução coordenada para evitar os desequilíbrios que acabam afetando todos os países. Ao menos, é uma proposta de nova regulação abrangente e não uma medida tópica para combater um único desvio de mercado.
Esse é um dos dilemas do mundo atual. As crises financeiras desconhecem as fronteiras, mas os remédios que os líderes aplicam acabam sendo nacionais. Quando o Lehman Brothers quebrou, o Brasil perdeu um ano. Como a Europa acumulou déficits e dívidas gigantes, a Bolsa brasileira já perdeu 16% desde 8 de abril.
Não há uma ponte longe demais que se possa atravessar e ficar em território protegido das turbulências internacionais.
Talvez só a Coreia do Norte consiga, porque decidiu não pertencer ao mesmo planeta dos outros terrenos.
Por isso, fica estranho o distanciamento da Inglaterra em relação aos abalos das dívidas dos países europeus. Ela não usa o euro como moeda, tem sua própria libra, mas acaba aí o distanciamento. Faz parte da mesma geografia, tem déficit e dívida volumosas, tem exposição às dívidas dos outros países europeus. Num momento também de reorganização interna, com a vitória de um partido menos europeísta, e inaugurando uma inédita coalizão, a Inglaterra também olha para dentro de seus próprios problemas, achando que aquele desequilíbrio é assunto da Alemanha.
Nas últimas semanas, o mundo foi admitindo a dimensão da crise. Inicialmente era um problema grego provocado em parte por fraudes na contabilidade. Depois se viu que era uma crise de confiança em relação a algumas dívidas soberanas. Logo após a Europa fez um reunião no fim de semana e aprovou um pacote criando um fundo de estabilização, assumindo que era uma turbulência mais ampla do que apenas alguns países. Na semana passada, Angela Merkel admitiu que é uma crise financeira que atinge o euro.
Se a Europa já tivesse um governo central realmente capaz de despachar ordens de Bruxelas para todos os países, teria evitado os excessos de ampliação do gasto público e de emissão de dívida dos governos. Mas o limite imposto para a região não foi obedecido por nenhum país. Alguns mais e outros menos, todos tingiram seus balanços de vermelho.
O Banco Central Europeu relutou no início em comprar papéis de alguns países e estabeleceu assim que havia uma fratura no continente: alguns eram mais europeus do que os outros.
O final dessa história parece que será tão cheio de surpresas quanto toda a crise até agora, mas ela já deixa constatações: que ter uma moeda e 16 políticas fiscais é insustentável; que na hora em que a crise começa, a região busca soluções supranacionais para os problemas nacionais; que no momento de maior incerteza os países líderes ou tomam decisões de autodefesa ou se isolam.
As crises financeiras cruzam as fronteiras, mas os países continuam formulando suas políticas econômicas mesmo numa união monetária. Tudo está sendo testado nessa crise, dos limites da soberania dos países da região às fronteiras da globalização.
O maior teste é o da liderança.
Nele, estão todos sendo reprovados
Ora, o euro é nada mais do que a moeda da Alemanha e de outros 15 países, a mais ousada aposta monetária do mundo, a segunda moeda de referência, que está presente em todas as reservas cambiais dos países.
O mundo em geral, a Europa em particular, olha para a Alemanha à espera de que o país saiba o que fazer nessa situação extrema, não que apenas anuncie o risco que todos veem e tente montar internamente alguma barreira ao ataque especulativo.
Não há solução solitária para um dos países, muito menos para o maior país da região.
Acusada por ter tomado a decisão unilateral de limitar as operações a descoberto, que dão liquidez ao mercado mas geram mais volatilidade dos ativos, a Alemanha mandou sinais de que gostaria muito de ter a companhia de países como a França e a Inglaterra.
A França de Nicolas Sarkozy deixou vazar a informação de que se a situação piorar pode deixar a moeda comum. Isso seria um golpe violento contra o euro, mas seria também um tiro no escuro para a própria França. Haverá vida estabilizada depois da morte do euro? Os arquitetos da moeda nunca pensaram em como organizar a economia de qualquer país na hipótese de abandono do zona do euro. O que fará um país como a Grécia, por exemplo, com passivo em euro se tiver que ter ativos em dracma? A própria França não escaparia desse desequilíbrio se tentasse recuar suas tropas de volta ao franco.
Não há alternativa a não ser atravessar, com seu exército, o inverno do euro.
Os Estados Unidos, onde se originou essa crise, nascida das espantosas falhas da regulação americana, mergulha-se em si mesmo.
O país retoma o crescimento, mas engasga na recriação de empregos. O governo Barack Obama tem vitórias no Congresso em lutas domésticas como a reforma da saúde, mas começa a enfrentar o suadouro das eleições de meio de mandato. Na quinta-feira, comemorou outra vitória na aprovação da nova regulamentação do mercado financeiro. De novo, é mais um passo isolacionista em vez do propósito original de uma solução coordenada para evitar os desequilíbrios que acabam afetando todos os países. Ao menos, é uma proposta de nova regulação abrangente e não uma medida tópica para combater um único desvio de mercado.
Esse é um dos dilemas do mundo atual. As crises financeiras desconhecem as fronteiras, mas os remédios que os líderes aplicam acabam sendo nacionais. Quando o Lehman Brothers quebrou, o Brasil perdeu um ano. Como a Europa acumulou déficits e dívidas gigantes, a Bolsa brasileira já perdeu 16% desde 8 de abril.
Não há uma ponte longe demais que se possa atravessar e ficar em território protegido das turbulências internacionais.
Talvez só a Coreia do Norte consiga, porque decidiu não pertencer ao mesmo planeta dos outros terrenos.
Por isso, fica estranho o distanciamento da Inglaterra em relação aos abalos das dívidas dos países europeus. Ela não usa o euro como moeda, tem sua própria libra, mas acaba aí o distanciamento. Faz parte da mesma geografia, tem déficit e dívida volumosas, tem exposição às dívidas dos outros países europeus. Num momento também de reorganização interna, com a vitória de um partido menos europeísta, e inaugurando uma inédita coalizão, a Inglaterra também olha para dentro de seus próprios problemas, achando que aquele desequilíbrio é assunto da Alemanha.
Nas últimas semanas, o mundo foi admitindo a dimensão da crise. Inicialmente era um problema grego provocado em parte por fraudes na contabilidade. Depois se viu que era uma crise de confiança em relação a algumas dívidas soberanas. Logo após a Europa fez um reunião no fim de semana e aprovou um pacote criando um fundo de estabilização, assumindo que era uma turbulência mais ampla do que apenas alguns países. Na semana passada, Angela Merkel admitiu que é uma crise financeira que atinge o euro.
Se a Europa já tivesse um governo central realmente capaz de despachar ordens de Bruxelas para todos os países, teria evitado os excessos de ampliação do gasto público e de emissão de dívida dos governos. Mas o limite imposto para a região não foi obedecido por nenhum país. Alguns mais e outros menos, todos tingiram seus balanços de vermelho.
O Banco Central Europeu relutou no início em comprar papéis de alguns países e estabeleceu assim que havia uma fratura no continente: alguns eram mais europeus do que os outros.
O final dessa história parece que será tão cheio de surpresas quanto toda a crise até agora, mas ela já deixa constatações: que ter uma moeda e 16 políticas fiscais é insustentável; que na hora em que a crise começa, a região busca soluções supranacionais para os problemas nacionais; que no momento de maior incerteza os países líderes ou tomam decisões de autodefesa ou se isolam.
As crises financeiras cruzam as fronteiras, mas os países continuam formulando suas políticas econômicas mesmo numa união monetária. Tudo está sendo testado nessa crise, dos limites da soberania dos países da região às fronteiras da globalização.
O maior teste é o da liderança.
Nele, estão todos sendo reprovados