Curto Manifesto pelos Serviços Públicos
Política

Curto Manifesto pelos Serviços Públicos



Na sequência da sua participação no Fórum das Esquerdas, Jorge Bateira, José Castro Caldas, André Freire, Alexandre Azevedo Pinto, José Reis e João Rodrigues (alguns dos Ladrões de Bicicletas) publicam hoje no Público um curto manifesto pela defesa dos serviços públicos. Uma vez que, na edição online, o artigo está reservado a assinantes, divulgo aqui o texto na integra. Subscrevo-o na integra.

Em defesa do público nos serviços públicos
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"Participámos no painel sobre economia do encontro Democracia e Serviços Públicos. O debate tornou claro que o pluralismo das esquerdas não tem de ser sinónimo de falta de diálogo e de cooperação. Este encontro demonstra que há muita gente (nos partidos de esquerda e independentes) que entende que a excepção portuguesa da incomunicabilidade e da ausência de cooperação entre as esquerdas não é um problema insuperável. As convergências fazem-se com diálogo aberto sobre os pontos de concórdia e discórdia. Entre as esquerdas, o pluralismo é positivo e enriquecedor, desde que sem sectarismos. Mais: muitos como nós pensam que a resposta política para boa parte dos problemas com que hoje o nosso país está confrontado passa por entendimentos entre as diferentes correntes da esquerda.
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No âmago da divisão entre esquerda e direita está a valorização da igualdade das condições e oportunidades de vida. Isto não significa que todas as direitas sejam necessariamente inigualitárias. Mas há uma direita para quem a única igualdade seria a igualdade perante a lei que, rejeitando a acção política para promover a igualização das condições e oportunidades de vida, prefere confiar fundamentalmente no mercado. As esquerdas, pelo contrário, olham para o Estado como um instrumento crucial da promoção da igualização das condições e das oportunidades de vida.

Não se trata de defender o predomínio do Estado sobre os indivíduos. Do que se trata é de defender um papel fundamental para o Estado na área dos serviços públicos (saúde, educação e segurança social) e também em sectores estratégicos da economia, nomeadamente nos chamados "monopólios naturais". Não se trata apenas de melhor servir o desiderato da igualdade. O que está em causa é também um modelo de desenvolvimento: o investimento privado é uma componente central da economia, devendo ser fortemente apoiado nos sectores que produzem bens e serviços transaccionáveis, não apoiado nos sectores protegidos da concorrência internacional e indesejável nos serviços públicos e nos monopólios naturais.

No processo de privatização da provisão de serviços públicos, o Estado transforma-se no que já foi designado de "Estado Predador" - uma coligação de interesses económicos rentistas que prosperam no quadro de um regime de acumulação baseado na expropriação dos recursos públicos. O caso português é ilustrativo. Na sequência do processo de privatizações (re)constituíram-se em Portugal grupos económicos que se caracterizam precisamente pelo acantonamento na produção de bens não transaccionáveis e pela penetração crescente na esfera da provisão de serviços públicos.

As consequências de tudo isto estão à vista nos países onde o processo foi levado mais longe: fractura social entre os que têm acesso (à saúde, ao ensino e à protecção face aos riscos de desemprego) e os que não têm. Onde o processo ainda vai a meio é patente o aumento do custo e a degradação da qualidade dos serviços (anteriormente) públicos. Em Portugal, que de há décadas a esta parte continua a situar-se entre os campeões das desigualdades na distribuição de rendimentos em toda a UE e onde os salários continuam tão baixos que um terço dos beneficiários do "rendimento social de inserção" trabalha, a qualidade e a universalidade dos serviços públicos está também sob pressão. Contrariando uma certa imagem construída pelos seus adversários, de que as esquerdas socialistas seriam um movimento "bota-abaixista" desprovido de propostas exequíveis, o debate permitiu identificar acordos em torno de algumas linhas de política:O reconhecimento da centralidade do papel do Estado. Esta centralidade não deve ser confundida com o papel que o Estado actualmente desempenha na socialização das perdas do sector financeiro. A designação "Estado estratega" foi já utilizada para caracterizar o que agora, em contexto de crise, mais do que nunca é necessário: um Estado que em nome do interesse público reassume o controlo de sectores estratégicos, se responsabiliza pela provisão de serviços públicos e pela gestão do território, e utiliza os meios de que dispõe para incentivar e enquadrar o investimento privado.

Valorização do serviço público. Em desacordo com as teorias e as práticas da "nova gestão pública", que tão influente se tornou entre nós dando origem a mais conflitos do que reformas, subscrevemos o que um de nós afirmou: "O nosso país não está condenado a escolher entre serviços decadentes e burocratizados, de um lado, e a erosão do Estado conduzida segundo a ideologia gestionária da modernização, do outro." Existem formas de modernizar a administração pública que, não reduzindo os servidores do Estado à condição de oportunistas e egoístas, podem nutrir os valores e os significados característicos da ética de serviço público. Os funcionários podem e devem ser mobilizados para garantir o sucesso de quaisquer reformas.

Combate à desigualdade pela valorização do trabalho. A direita procura reduzir o combate à desigualdade à provisão de mínimos de subsistência para os que não podem trabalhar, ou a uma redistribuição do rendimento compensatória. O caso português é ilustrativo das limitações das políticas sociais meramente reparadoras. Para a direita, a determinação do valor do trabalho deveria ser deixada ao mercado. Em alternativa, entendemos ser necessário promover a desmercadorização do trabalho através de regras que protejam os trabalhadores, combatam a precariedade e garantam salários dignos. O desemprego deixou já de ser o principal mecanismo gerador de pobreza, o próprio sistema produtivo voltou a produzir, a par de mercadorias, trabalhadores pobres.

Queremos acreditar que estes debates foram o primeiro passo de um processo que dê aos portugueses razões para enfrentarem o futuro com mais confiança. "

* Jorge Bateira, José Castro Caldas, Alexandre Azevedo Pinto, José Reis e João Rodrigues são economistas. André Freire é politólogo



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