Democracia e riscos Merval Pereira
Política

Democracia e riscos Merval Pereira



 O Globo

Relatos graves de violência e pressão político-religiosa nas universidades tunisianas indicam uma ofensiva de grupos islâmicos radicais na tentativa de se impor na sociedade após a revolução, embora, ao contrário do Egito, esses grupos não tenham conseguido obter votação expressiva na eleição de outubro passado.
Um professor relatou para a assembleia da conferência da Academia da Latinidade, aqui em Hammamet, que foi obrigado por coação física de um grupo de alunos a não realizar uma prova.
Outra professora contou que ao pedir que seus alunos fizessem uma interpretação de um quadro, que aludia à obra “Criação de Adão”, de Michelangelo, na Capela Sistina, foi acusada de querer transmitir aos alunos a ideia de Deus, aos gritos surrealistas de “abaixo Michelangelo”. Só foi liberada pelo bando de radicais depois de jurar que era uma muçulmana convicta.
Os relatos de agressões físicas são constantes, e as manifestações em frente ao prédio onde se reúnem os constituintes tunisianos pedem “o fim das violações das liberdades acadêmicas” e o fim “da violência nos estabelecimentos universitários”.
Essa tentativa de radicalizar a situação política, embora não reflita a vontade da maioria expressa nas urnas em outubro, tende a ser recorrente enquanto os constituintes elaboram as futuras leis que regerão a democracia no país.
Encerrando o seminário da Academia da Latinidade ontem, duas conferências se destacaram ao analisar a situação atual da democracia no mundo moderno.
O secretário-geral da Academia, o sociólogo brasileiro Cândido Mendes, falando sobre os novos meios de comunicação digital que se tornaram centrais nas modernas democracias, destacou o paradoxo de que, ao mesmo tempo em que eles permitem uma comunicação direta entre os indivíduos e grupos, sem intermediações, também exacerbam o individualismo, dificultando o diálogo.
Candido Mendes também analisou o papel da mídia moderna na reprodução da opinião pública, e chamou a atenção para a necessidade de garantir a voz das minorias, não apenas na representação partidária da democracia, mas também no aparelho midiático.
Ele destacou o movimento dos “indignados” que começou na Espanha e se espalhou pelo mundo, chegando a Wall Street, como exemplar de uma reação de representantes da minoria tentando sustentar o protesto permanente através de métodos alternativos que atendem ao inconsciente coletivo e reclamam a manifestação de seu inconformismo.
Também o sociólogo francês Alain Touraine, que encerrou o seminário com uma análise sobre os processos de democratização, afirmou que “nos tempos modernos, com a complexidade de sua organização, de sua rede de comunicação e seu aparato produtivo, a liberdade e a democracia só podem ser fundadas no reconhecimento do universalismo dos direitos individuais”.
Para Touraine, falar de democracia social ou mesmo popular, em lugar de democracia política, não passa de um gesto de propaganda. “Uma ditadura política não pode criar uma democracia social ou econômica”.
Como se ensinasse as bases da democracia em um país que se debate para sair de uma longa ditadura e encontrar seu próprio caminho, o francês Alain Touraine lembrou como condição essencial para a redemocratização “o desaparecimento dos poderes absolutos, e em consequência a existência da tolerância e da pluralidade política”.
Nesse ponto, Touraine destacou um nível da democracia que considera essencial: o controle do Poder Executivo por um poder eleito, que pode até mesmo revogar o poder político.
Para ele, uma condição essencial da democracia é a possibilidade de o povo, através de seus representantes políticos, controlar e limitar os poderes do Estado, e mesmo de destitui-los.
Alain Touraine deixou claro que é apenas pela modernização econômica que um país pode se tornar democrático, pois a modernização impõe a livre circulação de bens e de ideias, e em consequência a submissão de um poder político à complexidade cambiante das relações entre grupos econômicos e sociais.
Dentro desse contexto, Touraine diz que é imprescindível numa democracia reconhecer a liberdade de imprensa e mais amplamente das mídias nos tempos modernos, e entender que todo esse conjunto de relações implica a separação do Estado e as autoridades religiosas “que por definição se consideram no direito de formular e impor normas de conduta e de expressão”.
Um exemplo importante para Touraine – que certamente o escolheu especialmente para o caso atual da Primavera Árabe – é o da Turquia, que conservou desde Atatürk (fundador e primeiro presidente da República turca) sua natureza de república laica, e que ao mesmo tempo um país fortemente islâmico e submetido à autoridade de um partido que detém o poder de Estado e que se define como islâmico.
Tão importante quanto seria “a interiorização da consciência de cidadania, a consciência da existência de direitos políticos reivindicados pelos cidadãos”.
Essa situação faz com que os cidadãos se sintam os donos do poder em última instância, analisa Touraine. “A melhor defesa contra regimes totalitários é a afirmação da consciência moral e dos direitos de cada indivíduo e de cada coletividade”.



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