O PiG deve estar morrendo de vergonha.
Por Filipe Paiva Cardoso
José Serra e Carlos Jereissati são dos nomes mais referidos. O agora parceiro da Portugal Telecom terá pago subornos para garantir uma boa fatia das privatizações de telecoms no Brasil
É o retrato de um Brasil que já não se vê há muito na imprensa internacional, focada nos indicadores sobre a pujança do país. Espionagem, facadas nas costas, offshores, tiros, subornos, privatizações a desbarato... O livro concentra-se n’“a Era das Privatizações, sob a égide do presidente Fernando Henrique Cardoso”, sobretudo na área das telecomunicações, e descreve com nomes, datas e documentos os vários caminhos dos subornos que terão decidido as maiores privatizações brasileiras.
Resultado de mais de dez anos de investigação do jornalista Amaury Ribeiro Jr., os documentos dados à estampa implicam vários nomes, incluindo José Serra – ministro do Planeamento de Henrique Cardoso e ex-candidato do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) à presidência do Brasil – ou Carlos Jereissati, um dos grandes vencedores das privatizações e hoje parceiro da Portugal Telecom através da Oi. São ainda ligados os pontos entre movimentos de dinheiro de offshores, aumentos de capital e pagamento de “propinas”.
Com um título baseado num termo criado pelo jornalista brasileiro Elio Gaspari, “que casou com felicidade os vocábulos ‘privatização’ e ‘pirataria’”, como explica Amaury Ribeiro Jr., o livro chegou às bancas no fim-de-semana passado e os 15 mil exemplares voaram.
Ao longo de 344 páginas, o autor começa por explicar como a sua carreira o guiou até aos meandros da política – alvejado depois de denunciar uma rede de tráfico foi obrigado a desaparecer das ruas. Na política descobriu um mundo de “crime sem sangue” que o empurrou para os meandros da “baixa política”. Depois, explica como José Serra usou dinheiro público para ir afastando quase todos os seus adversários políticos, incluindo Aécio Neves, que também queria o lugar de candidato do PSDB à presidência do Brasil. E aqui chega ao prato principal: privatizações, corrupção activa e passiva, favorecimento ilegal, manipulação da comunicação social, lavagem de dinheiro e enriquecimento ilícito. Segundo o autor, vários amigos e parentes de José Serra mantiveram empresas em paraísos fiscais entre 1993 e 2003 com o fim de movimentar e disfarçar dezenas de milhões de dólares que terão servido para pagamento de subornos aquando das privatizações no Brasil. Operações com várias ramificações e mãos.
Sobre Jereissati, as acusação são mais que muitas. A troca de avultadas somas de dinheiro entre as offshores deste empresário e as de Ricardo Sérgio de Oliveira (ex-tesoureiro de Serra) são corroboradas com documentos que permitem ao jornalista concluir: “A conexão entre Infinity [empresa nas ilhas Caimão] e Jereissati ratifica, pela primeira vez, aquilo que sempre se suspeitou, mas que nunca havia sido comprovado: que o ex-tesoureiro das campanhas do PSDB [Ricardo Sérgio de Oliveira] recebeu propina de Jereissati, um dos vencedores no leilão da privatização da Telebrás. Por meio do consórcio Telemar, Jereissati adquiriu a Tele Norte Leste e passou a controlar a telefonia de 16 estados.” Telebrás, Telemar e Tele Norte Leste são algumas das empresas que deram origem à Oi, a aposta brasileira da Portugal Telecom. A Oi detém 7% do capital da PT – através da Telemar Norte Leste. “A comprovação de que Jereissati é o dono da Infinity Trading está estampada em documento oficial. Consta do Relatório 369, da Secretaria de Acompanhamento Econômico, do Ministério da Fazenda, também encaminhado à Justiça. Oculto até agora nos porões do Tribunal de Justiça de São Paulo, o relatório e outros papéis inéditos da CPMI [Comissão Parlamentar Mista de Inquérito] do Banestado [banco do Estado do Paraná envolto num escândalo de remessas ilegais de dinheiro público] confirmam a vinculação. A Infinity, de Jereissati, favoreceu a Franton, de Ricardo Sérgio, com dois depósitos. O primeiro, de 18 de Janeiro de 2000, somou precisamente US$ 246.137,00. E o segundo, no total de US$ 164.085,00, aconteceu em 3 de Fevereiro do mesmo ano”, acusa o livro.
REACÇÕES A editora define o livro como a prova final “do maior assalto ao património público brasileiro” de sempre, prometendo que o mesmo é “uma grande reportagem que vai devassar os subterrâneos da privatização realizada no Brasil sob o governo de Fernando Henrique Cardoso.” Já o jornalista pede atenção aos brasileiros: “Será gratificante se, depois da última página, o leitor mantiver seus olhos bem abertos. É uma boa maneira de impedir que aqueles que já transformaram o público em privado para seu próprio proveito tentem reprisar [repetir] o que foi feito na era da privataria.”
As reacções ao livro têm sido agressivas. “Trata-se de uma colecção de calúnias que vem de uma pessoa indiciada pela Polícia Federal. Isso é crime organizado fingindo ser jornalismo”, reagiu ontem a assessoria de imprensa de Serra. Já Jereissati e Ricardo Sérgio de Oliveira preferiram não fazer comentários. “Nunca perdi um processo, e já tive muitos”, lembrou o autor do livro, depois das reacções iniciais.
Em termos práticos o livro também já deu que falar: um deputado brasileiro já recolheu as 173 assinaturas necessárias para abrir uma Comissão Parlamentar de Inquérito para investigar todas as acusações do livro. Agora, é esperar para ver.
Extraído do TERROR DO NORDESTE
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