Março começou e terminou com o aniversário de dois importantes eventos da história recente: em 1.º de março, o País comemorou 20 anos da primeira arrancada do Plano Real e, em 31 de março (mereceu lembrar, não festejar), completou 50 anos do golpe militar que subjugou os brasileiros à tirania de uma ditadura que durou 21 anos. Entre o fim da ditadura e o início do Plano Real se passaram nove anos, nos quais José Sarney e Fernando Collor dividiram o poder - anos desperdiçados, de fiasco, muitos retrocessos e nenhum avanço no progresso econômico e social do País.
No plano político, a ditadura foi um desastre e suas marcas são hoje lembradas para nunca mais serem repetidas: fechou o Congresso, extinguiu partidos, cassou direitos políticos, prendeu, torturou e matou opositores. Na economia o desastre foi amenizado pelo crescimento econômico, mas a renda se concentrou, os ricos se deram bem, os pobres empobreceram e a miséria cresceu. Enquanto os militares festejavam com ufanismo o "milagre econômico", o Censo do IBGE de 1970 denunciava: a renda cresceu, mas não foi distribuída. Hoje se calcula que 70% da riqueza gerada pelo "milagre" foi apropriada pelos 10% mais ricos.
"A economia vai bem, mas o povo vai mal", reconheceu na época o general Garrastazu Médici, o terceiro dos cinco militares ditadores. "É preciso primeiro fazer o bolo crescer para depois distribuir", tentava se explicar o então ministro da Fazenda, Delfim Netto, hoje conselheiro da presidente Dilma Rousseff. Enquanto ele foi ministro, o bolo nunca foi distribuído. A inflação era alta, atrapalhava o "milagre". Não há problema, Delfim decretou um tabelamento de preços fantasioso que ninguém respeitava, a não ser a Fundação Getúlio Vargas, que o registrava no cálculo da inflação. Na gestão Geisel, o ministro Mario Henrique Simonsen desfez e denunciou a falsificação grosseira da inflação.
Como convém a governos autoritários, o Brasil precisava ter sua bomba nuclear, e o programa começou com a construção de usinas nucleares que deixaram um passivo gigante, milhões de dólares perdidos em equipamentos enferrujados em Angra dos Reis (RJ) e o vazio da ilusória bomba. Como agora, o BNDES foi usado para distribuir dinheiro subsidiado a empresas que morreram e que lhe deram o apelido de "banco hospital".
Na gestão do último ditador e com Delfim Netto de volta ao comando da economia, a conta chegou em 1982, trazendo uma megadívida externa, que chegou a US$ 150 bilhões (as reservas cambiais não atingiam nem 8% disso), e uma moratória que mergulhou o País em grave recessão, arrocho salarial, desemprego, tragédias sociais. Para conseguir dinheiro do FMI, Delfim assinou muitas cartas de intenção, com promessas fantasiosas, nunca cumpridas e que marcaram o Brasil com o carimbo de "país moleque".
Heranças dos governos militares, na gestão Sarney pioraram muito a dívida pública (interna e externa) e a hiperinflação, que atingiu o impressionante recorde de 85% no mês e 5.000% no ano no final do governo. Seis planos de estabilização não conseguiram controlar a inflação, a dívida externa foi negociada, mas a interna só crescia. Com zeros seguidamente cortados e nomes alterados, a moeda continuava desmoralizada, os preços subiam várias vezes ao dia e o brasileiro perdeu a noção do valor do dinheiro.
O Plano Real pôs freios de arrumação na bagunça. Inflação contida e controlada já era meio caminho para arrumar o resto: a dívida interna parou de crescer, os governos estaduais foram proibidos de tomar novos empréstimos enquanto não se enquadrassem em regras de estabilidade econômica, bancos estaduais e distribuidoras de energia foram vendidos, a União assumiu as dívidas de governadores e prefeitos mediante controle rígido de gastos. Enfim, foram fechados muitos ralos por onde escapavam déficits crônicos, desperdícios, roubalheiras, desvios de dinheiro público para corrupção e campanhas eleitorais. E havia a Lei Fiscal para punir políticos irresponsáveis. Mas isso foi só o começo.
É JORNALISTA E PROFESSORA DA PUC-RIO E-MAIL: [email protected]