Dora Kramer Entre a cruz e a caldeirinha
Política

Dora Kramer Entre a cruz e a caldeirinha


O plano de compensar o fim de algumas mordomias no Congresso com aumento dos salários de deputados e senadores dos atuais R$ 16.512 para R$ 24.500, o teto do funcionalismo, está de pé, mas ficará em suspenso durante algum tempo.

“A ideia já esteve mais perto de ser posta em prática. Hoje, digamos que esteja temporariamente arquivada”, diz o presidente da Câmara, deputado Michel Temer, visivelmente cansado de dar murro em ponta de faca.

Aumento, só depois de o Parlamento apresentar não só uma solução que represente uma significativa economia de recursos, mas principalmente que seja assim reconhecida pela sociedade.

Dito dessa forma parece tudo muito simples, mas a coisa é bem mais complicada. Tão intrincada que Michel Temer quer distância do tema, por ora. A questão voltará ao debate, mas o presidente da Câmara só quer entrar nessa cena quando for possível sair bem na foto.

E isso não é nada fácil. Não basta a comissão encarregada de fazer um diagnóstico sobre a mudança da estrutura de gastos da Câmara apresentar uma proposta de cortes de um lado e propor aumento de outro.

Se for assim, será a contratação de uma emenda para piorar o já suficientemente horroroso soneto. Por exemplo: se acabarem todos os privilégios, mas o salário for reajustado, automaticamente as assembleias legislativas e as câmaras municipais de todo o país aumentarão os salários dos deputados estaduais e vereadores.

Por lei, um vereador ganha o equivalente a 75% do subsídio de um deputado estadual, que, por sua vez, recebe 75% do salário de um parlamentar federal.

Se as assembleias e as câmaras não cortarem também as mordomias, o resultado será uma elevação exorbitante de despesas pela qual o Congresso Nacional será responsabilizado e, portanto, ainda mais massacrado pela opinião pública.

Para que a conta final seja realmente satisfatória, seria necessário acabar com aquela vinculação salarial e ainda conseguir que os parlamentares nos estados e municípios cortassem os benefícios, em muitos casos bem superiores aos existentes no plano federal.

Pois é, e como convencer assembleias e câmaras a aderir ao projeto se nos estados e municípios nem de longe sofrem a pressão popular de que é alvo o Congresso?

Nessa hora é que se revela a falácia da tese segundo a qual as práticas políticas no Brasil degeneraram-se por causa da mudança da capital para Brasília onde os congressistas ficam “longe do povo”.

Por acaso a Assembleia Legislativa e a Câmara Municipal do Rio de Janeiro, localizadas bem no centro da cidade que era capital do país até 1960 são exemplos de lisura e compostura? Um levantamento feito pela Câmara das verbas em todo o país aponta que o Rio sequer informou os valores pagos aos deputados e vereadores.

Na listagem das benesses há exorbitâncias para todos os gostos, sendo Alagoas o caso mais absurdo. Lá, um deputado ganha R$ 12.384 e recebe R$ 39 mil de verba indenizatória.

No Congresso, a verba é de R$ 15 mil, o mesmo valor recebido pelos estaduais do Acre, de Roraima, Amapá, Bahia, Rio Grande do Sul.

Em Minas Gerais os estaduais ganham adicional de R$ 20 mil, no Ceará R$ 22.970, em São Paulo R$ 17.450, no Paraná R$ 27.500, em Santa Catarina R$ 38 mil, em Mato Grosso R$ 23 mil.

Em Rio Branco (AC), a verba extra dos vereadores é de R$ 15 mil, no Recife (PE) R$ 14.300, em Belo Horizonte (MG) R$ 15 mil, em Fortaleza (CE) R$ 12.800 e por aí vão as extravagâncias das quais dificilmente quem recebe aceitaria espontaneamente abrir mão.

Fica o Congresso, então, entre a cruz e a caldeirinha: pressionado pela opinião pública a cortar gastos e refém da resistência dos deputados estaduais e vereadores, indispensáveis cabos eleitorais para a renovação dos mandatos federais.

Portanto, de um lado o Legislativo federal não tem mais crédito para afrontar o público externo e, de outro, não pode se confrontar com seu público interno.

O dilema está posto. Michel Temer já procura presidentes de assembleias e câmaras para tentar construir uma maioria disposta a negociar uma solução que, pelo(des) ânimo exibido, não é coisa para essa geração.

Saúva

“Se o mal do Brasil fosse esse, o Brasil não teria mal”, versejou o presidente Luiz Inácio da Silva a propósito de defender o Congresso no caso da farra das passagens aéreas.

De fato, muito pior são governantes que não apenas não enxergam a fronteira entre o público e o privado como se dispõem a emprestar sua popularidade ao retrocesso cívico de uma nação.

Há quatro anos, Lula reduziu o uso do caixa 2 à categoria das ações corriqueiras. Agora, atribui à apropriação indébita o caráter de prática natural.

Por essas e várias outras, ao fim de seus oito anos de mandato terá dado significativa contribuição à banalização da impostura que assola o Brasil.




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