Os presidentes da Câmara e do Senado são pessoas de muito poder. Podem garantir e cassar palavras, desempatar votações, dirimir conflitos, expulsar inconvenientes do plenário, definir a agenda, conceder licenças, abonar faltas, declarar a vacância das cadeiras, comandar a polícia parlamentar, matar ou fazer nascer comissões de inquérito, engavetar ou deixar tramitar pedidos de impeachment contra o presidente da República.
Pelo regimento, podem muito mais. No ambiente do Congresso Nacional, só não podem deixar de cumprir a função regimental de "zelar pelo prestígio e o decoro" da instituição, o que inclui o atendimento ao preceito constitucional da impessoalidade e publicidade das ações do agente público.
Isto posto, não sobra outra razão – a não ser o insanável "vício da amizade" aludido pelo deputado Edmar Moreira – para a resistência do senador José Sarney e do deputado Michel Temer à divulgação das notas fiscais referentes aos gastos da verba extra de R$ 15 mil para despesas com os escritórios regionais dos parlamentares.
Francamente contrários à proposta em princípio, os dois terminaram a semana procurando transparecer inclinação favorável à quebra do sigilo, de resto repudiada pela maioria do colegiado. O senador José Sarney prometeu "examinar o assunto" e o deputado Michel Temer anunciou a criação de uma comissão para "analisar o tema".
Posições dúbias, incoerentes com a dimensão do poder de ambos e com a inexistência de qualquer obstáculo regimental à exibição dos comprovantes de que não houve nem há desvio da destinação original dos recursos.
Junto a isso, a possibilidade de serem divulgadas as notas dos gastos do deputado Edmar Moreira com serviços de segurança – sendo ele dono de empresa do ramo – é cercada de cuidados para que não se criem "precedentes" à quebra geral do sigilo sob o qual são mantidos esses documentos.
Segredo muito esquisito. Sem justificativa aceitável. O argumento usado é o de que a exibição das notas poderia prejudicar "terceiros", aí entendidos como as pessoas físicas ou jurídicas que prestaram serviços ou venderam mercadorias.
Ora, considerando que uma nota fiscal só prejudica alguém quando existe irregularidade na transação, a defesa do sigilo soa a precaução de caráter presumidamente infrator. Portanto, por mais razão deveria interessar à direção das duas Casas do Congresso esclarecer a questão.
Só que o assunto ultrapassa o terreno do interesse e entra no campo da obrigação. A verba extraordinária foi criada em 2001 como uma forma de aumentar os ganhos dos parlamentares sem enfrentar a reação da opinião pública que passou a não considerar justa a relação entre os serviços prestados e os reajustes de salários aprovados em causa própria.
É um dinheiro para uso específico, passível de prestação de contas. O comprovante para isso são notas fiscais e, portanto, sua divulgação deveria ser algo natural, sem mistérios, sigilos ou impedimentos que só fazem aumentar as suspeitas sobre a já combalida conduta dos parlamentares.
A prerrogativa de cobrar é do dono do dinheiro e o dever de comprovar a lisura do uso é de quem recebe. Tudo muito simples e transparente. Bastando para o cumprimento da norma um cumpra-se. De cima para baixo, como é conferido aos dois presidentes do Congresso Nacional, como convém a um Parlamento que não se associa nem corrobora a assertiva de que mais vale a amizade de alguns que o respeito de todos.
Ao mar
O PSDB decidiu fazer do Rio de Janeiro uma espécie de comitê central da campanha de 2010. O partido começa por patrocinar na cidade, ainda nesse primeiro semestre, reuniões políticas com o intuito de calibrar forma e conteúdo do plano de voo agora e durante a campanha eleitoral propriamente dita.
E por que o Rio?
Porque a cidade repercute, não tem o caráter oficialista de Brasília, não é a "casa" de nenhum dos dois pretendentes a candidato – governadores de São Paulo e Minas Gerais –, é passagem, destino ou origem de gente influente também fora do mundo político e, sobretudo, exporta tendências, faz a moda.
O primeiro passo da estratégia foi dado pelo PSDB na eleição municipal com o apoio à candidatura de Fernando Gabeira, que quase leva a prefeitura do Rio contra as máquinas estadual e federal, só na base da reação aos anacronismos vigentes.
Gênios da raça
A ideia da oposição de organizar uma reunião de prefeitos amigos em Brasília, como "resposta" ao comício patrocinado pelo governo federal semana passada na capital, parece inspirada pelo serviço de comunicação do Palácio do Planalto.
Entra em terreno onde não pode competir, perde a razão para criticar, indica ao eleitorado sua carência de agenda própria e inicia a campanha pela pauta do adversário.