Estados Unidos A campanha presidencial cai na lama
Política

Estados Unidos A campanha presidencial cai na lama


Na lama com Obama

Pressionado por maus resultados nas pesquisas,
McCain opta por manobra de risco: desferir golpes
baixos contra o oponente, que já é acusado até de
"andar por aí com terroristas"


André Petry, de Nova York

Fotos Gerald Herbert/AP e Alex Brandon/AP

DE UMA COISA E DE OUTRA COISA
McCain, Sarah Palin e Cindy, juntos num evento de campanha, e as acusações contra Obama: afinal, o homem é contra o sistema ou é a favor do sistema?

1 - "Ele é o candidato da mudança ou o político que concorda com todos os erros de Washington? Não se muda o sistema com alguém que nunca lutou contra o sistema"
2 - "Nosso adversário vê tantos defeitos nos Estados Unidos que anda por aí com terroristas que jogariam bombas contra o seu próprio país"
3 - "No dia que o senador Obama votou contra mandar dinheiro para meu filho que serve na guerra no Iraque, eu senti um frio na espinha"

Quem presta atenção à campanha presidencial nos Estados Unidos apenas nos grandes momentos – a festa numa convenção partidária, o principal discurso de um candidato, a melhor cena de um debate eleitoral – perde o que ela tem de pior. Ou, para muitos, de melhor. Nem tudo transcorre em ambiente civilizado e previsível. Aliás, quando se olha a história, quase nada. Em 1800, quando o país votou pela quarta vez para presidente, os adversários diziam que Thomas Jefferson, se eleito, legalizaria a prostituição e queimaria todas as bíblias. Em resposta, os paus-mandados de Thomas Jefferson respondiam que o oponente, o então presidente John Adams, era "mentalmente perturbado", tinha um "caráter hermafrodita", porque, a um só tempo, carecia da "força do homem" e da "sensibilidade da mulher", e, caso fosse reeleito, se autocoroaria rei da América. Como se sabe, eles passaram pela Casa Branca e, claro, não cometeram nenhum desatino. As acusações eram apenas mentiras de ocasião assacadas com o objetivo único de desqualificar o adversário perante os olhos do eleitorado. Tem sido assim desde então. Foi assim na semana passada.

Pressionado pelas pesquisas que apontam crescente vantagem do democrata Barack Obama, o republicano John McCain apostou numa saída arriscada – jogar lama no adversário. Nos comerciais televisivos divulgados pelos republicanos, ou por grupos a eles vinculados, Obama é apresentado como um sujeito que foi "abandonado" pelo "pai africano" e pela "exótica mãe branca", entregou-se na adolescência "à maconha e à cocaína" e defende o ensino de "educação sexual para crianças no jardim-de-infância". O comercial sobre educação sexual termina assim: "Ensinar sexo antes de ensinar a ler?". Obama é apresentado como um político que anda com "corruptos", "terroristas", "comunistas", "radicais" e "negros muçulmanos". As acusações vão da meia-verdade à mentira inteira. Até agora, Obama tem se mantido mais frio. Na sua única resposta, divulgou um comercial lembrando o caso em que McCain e outros quatro senadores foram acusados de tentar beneficiar um milionário nos anos 80. Nesse comercial, Obama deixa de informar que McCain não foi condenado pelo caso. Ele foi apenas censurado pelo Senado.

Fotos Brooks Kraft/Corbis/Latinstock e Edwin Remsberg/AP

ELES CONTRA ELES MESMOS
Bush, na campanha de 2000, com sua mulher, Laura, e Lee Atwater, que morreu em 1991 (à dir): a máquina de moer reputações já foi usada em guerras fratricidas

A reação menos agressiva de Obama não é um sinal de ética elevada. É tática: não quer mexer em time que está ganhando. Já os republicanos têm vasta experiência em girar a máquina de moer reputações. Ela foi brilhantemente azeitada por Lee Atwater, que morreu de câncer aos 40 anos, em 1991, mas viveu o bastante para deixar seguidores afiados. O próprio McCain foi uma das vítimas do moedor. Em 2000, quando perdeu a candidatura presidencial para George W. Bush, McCain foi acusado de ter uma "filha negra" fora do casamento (ele e a mulher adotaram uma menina bengali) e de ter sido libertado da prisão no Vietnã por delatar seus companheiros, o que é mentira. Era tudo coisa de republicano contra republicano. "Levamos as conseqüências de uma eleição muito a sério. Por isso, somos sempre agressivos", disse a VEJA o cientista político Alan Gitelson, da Universidade Loyola, em Chicago. "Mas, com freqüência, os ataques são exagerados ou sem substância." Em geral, a pancadaria fica restrita aos comerciais na TV. Agora, com a disputa tão apertada, chegou aos discursos.

A temporada foi aberta por Sarah Palin, que conclamou McCain a "tirar as luvas". Fazendo jus ao apelido de "Sarah Barracuda", ela disse que Obama "anda por aí com terroristas". Na política brasileira, chamar um adversário de "terrorista" pode ser tão ofensivo quanto xingá-lo de "bobo". Nos Estados Unidos, sobretudo depois do 11 de Setembro, é um insulto que rouba voto. Sarah Palin quis chamar atenção para a relação de Obama com Bill Ayers, professor universitário que, nos anos 70, foi do Weather Underground, grupo da esquerda terrorista responsável por uma dúzia de atentados a bomba para protestar contra o racismo e a Guerra do Vietnã – e matou um policial. Obama foi mais próximo de Ayers do que admite, e mais distante do que o acusam.

Fotos AP e Hulton Archive/Getty Images

A BAIXARIA VEM DE LONGE
Thomas Jefferson (à esq.) e John Adams: na campanha de 1800, um foi acusado de planejar a queima das bíblias e outro de ter um "caráter hermafrodita"

No festival de lama, o democrata já foi denunciado por uma coisa e por seu contrário. Sarah diz que ele é opositor do sistema: "Nosso adversário vê tantos defeitos nos EUA que anda por aí com terroristas que jogavam bombas contra o seu próprio país". E McCain diz o inverso: "Ele é o candidato da mudança ou o político que concorda com todos os erros de Washington? Não se muda o sistema com alguém que nunca lutou contra o sistema". Até a mulher de McCain, Cindy, normalmente silenciosa, abriu a boca. Disse que sentiu "um frio na espinha" quando Obama votou contra o aumento da verba para a guerra no Iraque. Com isso, Cindy, que teve um filho na guerra, tenta pintar Obama como antipatriótico. Com as baixarias, McCain quer transformar a eleição num plebiscito sobre Obama e desviar a atenção da crise econômica, que tem turbinado o democrata nas pesquisas. A manobra é um risco para McCain. Pode recuperá-lo ou afundá-lo de vez. Todo mundo critica golpes abaixo da cintura. Mas eles só são usados porque nem sempre falham.




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