FERREIRA GULLAR Os Karamabloch
Política

FERREIRA GULLAR Os Karamabloch




Peguei um cinzeiro de uma mesa ao lado e avancei para bater com ele na cara de Adolfo


COM REAL interesse e prazer, li "Os Irmãos Karamabloch", livro escrito por Arnaldo Bloch, que soube nele contar a história de sua família com raro equilíbrio entre a isenção, o bom humor e a saudável irreverência.
Devo admitir que a principal motivação que me levou a ler o livro foi a curiosidade por aquela família, de que conheci alguns membros, durante o tempo em que trabalhei na revista "Manchete", criada por Adolfo Bloch, sem dúvida o mais conhecido integrante do clã. Adolfo se tornou uma figura notável no meio jornalístico, especialmente entre os profissionais que, como eu, trabalharam na revista que, a partir dos anos 50, ocupou um lugar de destaque na imprensa brasileira.
Quem me levou para lá foi Otto Lara Resende, que acabara de assumir a chefia da Redação, à frente de uma equipe de gente talentosa como Armando Nogueira, Janio de Freitas, Borjalo, Darwin Brandão, sem falar nos colaboradores de primeira linha que eram Rubem Braga, Fernando Sabino e Paulo Mendes Campos.
Eu havia sido demitido da revista "O Cruzeiro" e fui chamado por Otto, graças à interferência de Millôr Fernandes. Entrei como revisor de provas, com a promessa de me tornar redator, assim que houvesse uma vaga. Arnaldo Bloch conta, no livro, o episódio engraçado, provocado pela teimosia do Adolfo em me ver apenas como revisor e nunca como redator. Mas quem quiser rir disso terá que lê-lo no livro, onde, aliás, há muita coisa engraçada, muitas delas reveladoras do espírito muito peculiar dessa família, a que Otto, num momento inspirado, apelidou de Karamabloch.
Em compensação contarei aqui uma história que não está no livro nem nunca foi contada, pelo menos que o saiba. Ei-la. Quando o filme "Casa de Chá do Luar de Agosto" ia ser lançado no Brasil, promoveu-se um concurso de cartazes para incrementar o lançamento. A "Manchete" fazia parte da promoção e, por isso, deveria indicar um dos membros do júri que escolheria o melhor cartaz. Otto me indicou para o júri, que já contava com os nomes de Mário Pedrosa e Tomás Santa Rosa.
Ficou acertado que o resultado do concurso seria divulgado pela televisão pelos integrantes do júri. Sucedeu, porém, que Pedrosa e Santa Rosa tinham viajado, de modo que sobrou para mim essa tarefa. Era uma sexta-feira, dia de fechamento da revista, o que nos obrigava, todos nós, a chegar muito cedo à Redação. Assim foi que, às sete da noite, de paletó amarfanhado e barba por fazer, apareci no vídeo para anunciar o resultado do concurso.
Na segunda-feira, ao chegar à "Manchete", soube que Adolfo estava furioso com minha aparição na TV. Mal me viu, começou a gritar: "Quem autorizou você a representar minha revista, vestido como um mendigo?". Os funcionários todos me olhavam. Peguei um cinzeiro de uma mesa ao lado e avancei para bater com ele na cara de Adolfo, mas fui agarrado e desarmado. Passei então a insultá-lo, com todos os palavrões que me ocorreram, enquanto ele se foi porta afora.
Ao entrar na Redação, vi que não havia ninguém, a não ser um contínuo que me informou estarem todos na sala da "Manchete Esportiva", condomínio de Nelson Rodrigues e família. É que aquele era o dia de aniversário de Adolfo e os Rodrigues decidiram homenageá-lo com um bolo que, àquela hora, estaria sendo cortado pelo aniversariante.
Sentado à minha mesa, comecei a esvaziar as gavetas, certo de que, depois do que ocorrera, só me restava a demissão. Mas eis que a porta da sala se entreabre e percebo que alguém me espia de lá. Quem seria? Logo a porta se escancara e entra Adolfo, sorridente.
- Gulinha, ainda está zangado comigo? Não vai comemorar o meu aniversário?
Surpreso, não sei o que responder. Ele me abraça e me leva consigo. E, abraçados, entramos na Redação da "Manchete Esportiva", sob aplausos. Assim era Adolfo Bloch, surpreendente e contraditório, como um personagem de Dostoiévski.
Mas ele não era o único na família. Pouco antes de sair da revista, soube de uma história típica dos irmãos Karamabloch. Arnaldo, um dos irmãos de Adolfo, dera uma festa para comemorar a reforma de seu apartamento. Após o jantar, pediu a todos que o acompanhassem até o quarto, onde se depararam com um cortinado preso à parede.
Explicou que os levara até ali para mostrar-lhes uma novidade. Disse isso e abriu a cortina, deixando ver um nicho, semelhante aos das igrejas. Só que ali, em lugar de um santo, via-se entronizado um grande cofre, onde pretendia guardar as barras de ouro, em que investia seus lucros. Foi o que me contou Otto, no dia seguinte, às gargalhadas.



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