Os acontecimentos policiais em torno do diretor-gerente do FMI, Dominique Strauss-Kahn (costumam chamá-lo pelas iniciais, DSK), não afetaram nem um pouco o mercado financeiro nem a economia mundial. É uma crise pessoal, não do FMI. As bolsas continuaram em alta num clima de total normalidade. As únicas preocupações, ontem, no mercado financeiro internacional eram a confirmação dos sinais do Fed de que pode elevar as taxas de juros este ano e a nova alta nos preços das commodities. A possibilidade de reajuste da taxa constou da ata do Fed, divulgada ontem. Os dois fatores se interligam.
E a crise do euro? Também aqui, o caso Strauss-Kahn não pesou muito. Ele não compareceu à reunião dos ministros das Finanças da zona do euro, na Grécia, foi detido no avião em que viajaria para Paris, mas isso não alterou a agenda. O representante do FMI reafirmou o endurecimento com a Grécia, que precisa de um novo socorro financeiro. A ausência de Strauss-Kahn, esta semana, também não impediu a aprovação do apoio financeiro a Portugal.
Na reunião de ontem, em Atenas, os ministros parecem ter quebrado um tabu ao admitir a reestruturação de uma parte da dívida grega, 150% do PIB. É uma das maiores do mundo. Pretendem que os bancos privados aceitem voluntariamente prorrogar os pagamentos da Grécia. Tudo isso, porém, num quadro de maior rigor, que o governo reluta a aceitar, pois a Grécia já está no terceiro ano de recessão.
O que muda no FMI. Na mesma reunião, ministros das finanças europeus aumentaram a pressão para que Strauss-Kahn renuncie. Na verdade, já estavam contando com sua saída, pois deveria se desincompatibilizar nos próximos meses para candidatar-se à presidência da França. Sua prisão apenas antecipa as negociações sobre seu substituto.
A candidata mais forte é a ministra francesa Christine Lagarde, considerada muito competente, mas tem contra si investigação de favorecimento financeiro a um empresário, em 2008.
A Europa detém a direção do Fundo desde sua criação, em 1945, enquanto os EUA indicam o presidente do Banco Mundial. O principal desafio do Fundo, agora, é a crise europeia, longe de ter sido superada. Os governos da zona do euro primeiro recusaram o socorro do FMI, mas acabaram atendendo às condições severas exigidas pelo Fundo.
Circulavam ontem rumores do nome - não era uma candidatura - do chefe do Conselho Econômico da Casa Branca, David Lipton. A Alemanha defende um candidato europeu, já fala em Axel Weber, presidente do Bundesbank. O que todos pedem, incluindo o secretário do Tesouro americano, é um definição, a mais rápida possível.
O FMI já colocou o americano John Lipsky para substituir Strauss-Kahn e espera seu pedido de demissão. Mas, mesmo antes da crise, ele havia anunciado que ficaria no Fundo só até agosto, preferindo passar a ser apenas consultor. Sabe que não tem chance.
Para nós nada muda. Para o Brasil, Strauss-Kahn era amistoso, simpático, como costumava ser com os países que não lhe criavam problemas. Defendeu sempre, pelo menos em público, maior participação dos emergentes no Fundo, mas não passava disso. Há muito tempo, o Brasil deixou de ser cliente do FMI, mas não pode esquecer que foi salvo por ele na crise cambial de 2002. O Fundo chegou a negar socorro, pois havia advertido quanto à inconsistência da âncora cambial, e só voltou atrás por pressão pessoal de Clinton. Gustavo Franco pode contar essa história...
Saiu da crise, enfrentou a outra, mundial, de 2008, bem preparado. O FMI deixou se ser palavrão. Até "emprestamos" dinheiro, comprando papéis que não rendem quase nada, mas continuam nas nossas reservas.
Curioso é que o "abaixo o FMI" odiado do passado foi superado por um "alô, meu parceiro, quero um lugarzinho aí na sua diretoria para que os ricos que devem mais do que nós não fiquem mandando...
Hoje, com Strauss-Kahn na cadeia ou não, o Brasil não precisa do FMI porque adotou a política que ele recomendou quando estava à beira da moratória. Ele e nós somos agora apenas parceiros cordiais.