Resultado da união entre Sadia e Perdigão, a Brasil Foods passa
a ser a maior processadora de carne de frango do mundo – e terá
forte presença dos fundos de pensão de estatais na sua gestão
Benedito Sverberi e Luís Guilherme Barrucho
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Como em uma comédia romântica de Hollywood, em que o casal passa o filme todo brigando para, nas últimas cenas, ficar junto, Sadia e Perdigão selaram sua união na semana passada, depois de décadas de ferrenha concorrência. "O tempo das alfinetadas acabou. Agora é só amor", comemorou o presidente do conselho de administração da Perdigão, Nildemar Secches. "Estamos criando um campeão", disse o presidente do conselho da Sadia, Luiz Fernando Furlan. Até 2010, os executivos compartilharão a presidência do conglomerado que acaba de nascer, a Brasil Foods (BRF), que veio ao mundo com atributos superlativos: a maior processadora de carne de frango do planeta, a maior empresa de alimentos industrializados e a maior empregadora privada do país, além de líder inconteste em diversos segmentos de mercado. O nome em inglês foi feito sob medida para a competição em uma economia globalizada. Com a forte presença de capital de fundos de pensão de estatais e, possivelmente, do BNDES, o nome da nova companhia bem que poderia ser Frangobras. É o retrato de um modelo de capitalismo com olhos na competição externa, que se materializa pela formação de grandes grupos nacionais influenciados em sua gestão pelos riquíssimos fundos de pensão das estatais – que terão quase 30% do capital da BRF. Antes dela, o melhor exemplo dessa realidade foi a fusão da Oi com a Brasil Telecom, ocorrida em novembro do ano passado, que resultou em um gigante das telecomunicações, com faturamento de 30 bilhões de reais por ano.
Os fundos de pensão terão a oportunidade de aumentar sua participação na BRF. No fim de julho, será feita uma oferta pública de 4 bilhões de reais em ações para reduzir a dívida originária da fusão, de 10 bilhões de reais. Nildemar Secches sinalizou que os fundos desejariam aportar 1,8 bilhão de reais à BRF, montante superior ao que teriam direito para manter inalterados seus porcentuais presentes de participação acionária. Como seria possível essa manobra? A resposta encontra-se nos acionistas minoritários. Com menor poder de fogo para injetar altas somas na companhia, é provável que eles desistam de seu direito de prioridade na compra dos novos papéis – e isso abriria caminho aos fundos. Segundo Sérgio Rosa, presidente do fundo de pensão dos funcionários do Banco do Brasil, o Previ, que hoje detém 11,8% das ações da BRF, é pura especulação dizer que a instituição que ele encabeça está de olho numa fatia maior da empresa. "Nossa intenção é acompanhar o aumento de capital na proporção da nossa cota atual, apenas para que nossas ações não sejam diluídas", disse ele a VEJA. Seria uma boa notícia. A configuração final seria de uma empresa com mais da metade de seu capital pulverizado em bolsa – uma empresa moderna e comprometida com uma ampla base de acionistas.
Andre Penner/AP |
SÓ AMOR Secches e Furlan |
Não é peculiaridade do Brasil a ascensão do poder econômico das entidades de previdência complementar. Na década de 70, o pensador Peter Drucker apontou no livro A Revolução Invisível a emergência de um "socialismo dos fundos de pensão". Sua tese era que os trabalhadores haviam finalmente chegado ao poder, pois as fundações ganhavam influência na economia americana por meio do aumento de capital nas corporações. Hoje, esse é um fenômeno global. Contudo, isso não significa abocanhar fatias tão grandes a ponto de exercer controle sobre as companhias. "O que se vê aqui no Brasil é uma anomalia em relação ao cenário internacional", diz o professor da FEA-USP Alexandre Di Miceli da Silveira. Ele alerta para os riscos dessa prática. Em primeiro lugar, os executivos dos fundos de pensão não têm formação adequada para assumir o controle de empresas. "O que essas instituições sabem fazer é gerenciar carteiras de investimento", afirma Di Miceli. Em segundo lugar, os fundos têm de ser prudentes, pois lidam com recursos de centenas de funcionários que contribuem mensalmente para sua aposentadoria. Por isso mesmo, a lei estipula que eles não podem aplicar mais do que 50% de seus recursos em títulos de renda variável, sujeitos a maiores flutuações. Essa regra vem sendo desrespeitada por alguns dos principais fundos de estatais brasileiras – a Previ, por exemplo, tem hoje quase 60% de seu patrimônio aplicado em renda variável. Uma presença ainda maior na BRF aumentaria o desacordo com a lei. No exterior, os estatutos dos próprios fundos impõem restrições à sua transformação em acionista controlador. Em geral, eles não podem passar de 5% do capital total de qualquer empresa.
O nascimento da Brasil Foods encerra uma antiga rixa entre Perdigão e Sadia – a primeira fundada em 1934 e a segunda, em 1944. Elas disputavam o mercado brasileiro palmo a palmo, com vantagem para a Sadia até recentemente. Em 2006, a empresa das famílias Furlan e Fontana fez uma oferta para a aquisição da totalidade das ações da Perdigão, de 3,7 bilhões de reais. No jargão do mercado, foi uma "oferta hostil" – prontamente recusada. No ano passado, contudo, uma verdadeira hecatombe se abateu sobre a Sadia, empresa que nunca havia tido prejuízo. A companhia perdeu 2,6 bilhões de reais com operações no mercado financeiro. Aparentemente sem o conhecimento do conselho, um diretor apostou em papéis voláteis, chamados derivativos cambiais. Com a eclosão da crise financeira mundial, os derivativos se esfumaçaram e a Sadia, tecnicamente, quebrou. Para a Perdigão, foi uma oportunidade de ouro: ela pôde somar ao seu patrimônio marcas valiosas, linhas de produtos com ótima reputação e modernas unidades industriais.
A criação da Brasil Foods levanta questões também de interesse dos consumidores. Em certos segmentos, como o de massas frescas, a nova empresa terá o virtual domínio do mercado, com 84% de participação (veja o quadro). A fusão da Sadia com a Perdigão será avaliada pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). O órgão verá na BRF um monopólio? Depende. Na sexta-feira passada, Nildemar Secches e Luiz Fernando Furlan fizeram uma apresentação informal do caso a Arthur Badin, presidente do Cade. A expectativa é que a decisão do órgão regulador saia até o fim do ano, quando se saberá quais restrições serão impostas ao novo negócio. Analisa Gesner Oliveira, ex-presidente do Cade e atual presidente da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo, a Sabesp: "O Cade faz sempre a análise custo-benefício dos negócios. Quando uma empresa dessa magnitude se forma, ela passa a poder impor preços maiores aos consumidores, mas também pode reduzi-los graças aos ganhos de escala e eficiência. Será preciso descobrir para que lado a balança pende".