Inflação e miséria no governo Dilma SUELY CALDAS
Política

Inflação e miséria no governo Dilma SUELY CALDAS


FOLHA DE SÃO PAULO - 08/05/11

Há dias, em Minas Gerais, a presidente Dilma Rousseff deixou no ar a dúvida, mas a ministra do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Tereza Campello, e a secretária de Erradicação da Pobreza, Ana Fonseca, não têm dúvida alguma: garantiram que a extrema pobreza será totalmente erradicada até o fim deste governo, em 2014.

O Censo Demográfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) contou 16,2 milhões de pessoas (e não mais 10 milhões, da primeira estimativa) que vivem à margem da vida, com R$ 2,30 por dia, em habitações miseráveis, sem renda, sem emprego, sem acesso à saúde e educação, sem cidadania. Para elas o governo prepara o programa Brasil Sem Miséria, prometendo levar-lhes serviços públicos e "inclusão produtiva".

Tudo o que for possível fazer para aliviar o sofrimento cotidiano dessas pessoas será bem-vindo, desde que funcione com eficácia e sem desperdícios de dinheiro. Mas o que for feito, com certeza, será desfeito, eliminado, zerado, se os preços do pão, do feijão, do remédio subirem, se a inflação engolir os míseros R$ 2,30 que lhes restam.

A inflação é um imposto cruel que piora o sofrimento dos pobres e multiplica a renda dos ricos aplicadores do mercado financeiro.

Pois bem. Se for mesmo obsessão de seu governo erradicar a pobreza, a presidente Dilma não pode vacilar em concentrar seu arsenal no alvo da inflação, não permitir em nenhuma hipótese a sua volta, eliminar o mal pela raiz. Se a inflação ganhar fôlego, Dilma pode dar adeus ao programa Brasil Sem Miséria. Sua equipe que comanda a economia já errou muito neste campo, mostrou insegurança, vacilação, leniência, permitiu abrir espaço para a inflação se instalar e, pior, alargando o campo para a indexação de preços, que dá fôlego, multiplica e espalha reajustes pela economia.

Na semana passada a presidente reuniu sua equipe, deu bronca por causa das divergências públicas e elegeu o ataque à inflação o alvo prioritário de seu governo. Tudo bem, agora vai, com firmeza, determinação, sem vacilações, obsessão de verdade. Nada disso. Há uma condicionante: desde que não prejudique o crescimento de 4% projetado para este ano. E quem não quer crescimento econômico? Só alucinados. "Profetas do caos" só existem no fantasioso imaginário de Lula, ao atacar a oposição, com rótulos e sem substância.

Mas, ao definir prioridades, o governante não pode ignorar e simplesmente desprezar dificuldades que se opõem em seu caminho. Ele precisa analisar fatores, avaliar e fazer escolhas. E este é o momento de fazê-lo - aliás, já está atrasado.

Há anos a China vive com inflação baixa e cresce continuamente a 9% ao ano. Mas investe pesadamente em infraestrutura, o custo de produção e de transporte é muito baixo, a taxa de poupança equivale a 45% do Produto Interno Bruto (PIB) e a taxa de investimento se aproxima de 50% do PIB. São condicionantes para um crescimento sem riscos.

No Brasil é o inverso. Nossa taxa de poupança é de 15% do PIB, há variados gargalos na infraestrutura, que encarecem o custo de produção e transporte, e a taxa de investimento patina em 19% do PIB.

Essas condições precárias para o País crescer sem riscos têm de ser levadas em conta pela presidente Dilma ao definir sua estratégia de ataque à inflação. Afinal, garantir crescimento contínuo, sem cair em reajustes de preços, implica expandir a produção e dispor de rodovias, ferrovias, portos e aeroportos em abundância para garantir o transporte dessa expansão.

E o Brasil tem isso? É claro que não. Só a urgência da Copa do Mundo de 2014 e da Olimpíada de 2016 fez o governo se mexer e decidir privatizar aeroportos (não estaria no sufoco, se decidisse há tempos).

Por aqui, quando a produção cresce, esbarra nos gargalos dos transportes, a oferta estanca, a procura segue crescendo, os preços sobem e a inflação volta. Essa trajetória vem ocorrendo desde o ano passado e foi agravada no governo Dilma, porque alguns preços - gasolina, por exemplo - foram represados por Lula.

O ministro da Fazenda, Guido Mantega, vive repetindo que crescimento ameaçar a inflação é coisa do passado. Não é. É justamente o que o Brasil vive atualmente.

É esse tipo de resposta vazia, esse desejo de derrotar a alta de preços no gogó, que leva a estratégia do governo ao descrédito. Dos últimos oito anos, só em três a inflação fechou dentro da meta; em cinco, foi ultrapassada; e no mês passado ela estourou o teto na medição dos últimos 12 meses.

Não se trata de fazer recuar a demanda até a recessão. O País pode e precisa continuar crescendo em 2011. Mas com calibragem, moderação e equilíbrio, até afastar o inimigo mais perigoso. E, para ser vitorioso nesta guerra, o governo precisa agir rápido para frear o impulso da indexação de preços, que se tem espalhado e alargado espaço. É verdade que o Banco Central detectou esse risco e seus diretores têm alertado para a necessidade de desindexar a economia. Mas não será com troca de índices de inflação, como sugeriu, na quinta-feira, o secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Márcio Holland.

Aliás, impressiona e não para de surpreender o potencial criativo da equipe da Fazenda em inventar e reinventar soluções amadoras, inócuas. Substituir o IGP pelo IPC não é desindexar a economia, é perpetuar a indexação com outro índice de preços.

Se o governo quer desindexar, dê o exemplo, elimine índices de reajustes ao negociar seus contratos. Assim, vai abrir caminho para o setor privado fazer o mesmo. Mas, se ficar na substituição de índices, quando chegar setembro os petroleiros, bancários e metalúrgicos também vão querer aumentar salários com base na inflação passada. Daí industriais e banqueiros irão repassar o custo para os preços de uma infinidade de produtos, que irão realimentar outros - a ciranda segue girando e a inflação vence a batalha. Vamos fazer figa para que não aconteça.

Ao contrário do que diz o eufórico ministro Guido Mantega, a inflação continua exibindo suas garras. Não chegaria ao ponto que chegou, se tantos erros não fossem cometidos. Corrigi-los agora exige um sacrifício maior na conta de juros, em frear a demanda e crescer com limites.

Há dúvidas sobre se este governo está disposto a seguir esse caminho. Mas resta confiar. Afinal, a presidente Dilma já disse que tem duas obsessões em seu governo: acabar com a miséria e controlar a inflação. E uma depende da outra.



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