Enquanto o presidente George W. Bush negocia com o Congresso um novo pacote de ajuda ao setor financeiro, o governo brasileiro deveria tomar duas atitudes: primeiro, torcer pelo êxito dessa negociação, uma vez que, sem uma intervenção oficial planejada, a crise será mais longa, as operações de socorro serão menos eficientes e a correção será mais penosa não só nos Estados Unidos, mas em todo o mundo, incluído o Brasil; segundo, deixar de lado a oratória de palanque e estudar, com muito realismo, a maneira de enfrentar as dificuldades sem desarranjar a economia nacional. O mais prudente, nesta altura, é esquecer o otimismo. Se o Executivo e o Congresso americanos produzirem um pacote razoável, poderão impedir uma quebradeira maior e facilitar um ajuste mais ou menos ordenado. Ainda assim, a atividade econômica será afetada, o comércio global deverá perder vigor e nenhum país deixará de sofrer algum impacto.
Depois de uma segunda-feira negra, as cotações voltaram a subir nas bolsas da Europa, dos Estados Unidos e do Brasil, impulsionadas pela expectativa de aprovação do novo pacote prometido por Bush. De manhã, ele havia voltado a discursar, insistindo na importância de um socorro imediato ao mercado. Em nota dirigida aos clientes, analistas do banco de investimentos Merril Lynch afirmaram ser mais provável, depois da piora do cenário no dia anterior, a aprovação de uma proposta do Executivo. Avaliações semelhantes foram apresentadas por vários especialistas nos Estados Unidos e noutros mercados.
Mas, apesar do otimismo quanto à aprovação de um novo plano de ajuda, as previsões para a economia nos próximos 12 a 24 meses continuaram sombrias. O crédito vai continuar curto e isso afetará a economia real, isto é, as empresas produtivas, o investimento, o consumo e o comércio internacional. Esta foi a expectativa revelada por analistas de vários países. Mas o cenário poderá ser pior, se a economia da China também enfraquecer, comentou em Londres o estrategista-chefe para mercados emergentes do Banco ING, Charles Robertson.
A crise já afeta o Brasil de duas maneiras, comentou ontem o economista Fábio Giambiagi, do BNDES. Empresas exportadoras já perderam linhas de crédito no mercado externo. Além disso, já há sinais de revisão, pelo menos temporária, de planos de investimento.
A primeira das duas conseqüências é mais visível. O financiamento externo encolheu e ficou mais caro. Internamente, os bancos ainda atendem à procura de empréstimos, mas também com juros mais altos. Nem o BNDES ficou à margem dessa mudança, como já se confirmou na semana passada. Quanto à revisão dos planos de investimento, é indicada abertamente por empresários de alguns setores, como o eletroeletrônico, mas há sinais de insegurança em vários outros segmentos. Exportadores mencionam cancelamento ou redução de encomendas e também isso poderá afetar as decisões de compra de máquinas e de ampliação de instalações produtivas.
O ministro da Fazenda, Guido Mantega, manifestou, finalmente, alguma preocupação com a oferta de crédito a exportadores e a agricultores e prometeu providências. É hora de pensar seriamente no assunto. Que a economia brasileira crescerá menos em 2009 do que neste ano parece fora de dúvida. O desafio, agora, não é fazer do Brasil uma ilha de prosperidade, mas facilitar a acomodação da economia.
O problema consistirá em manter um crescimento razoável, talvez pouco acima de 3%, sem criar pressões inflacionárias e sem ampliar perigosamente o déficit nas transações correntes do balanço de pagamentos. A tarefa será mais fácil se o governo contiver seus gastos, principalmente os de custeio, deixando mais espaço para o crédito ao setor produtivo.
Uma política prudente evitará ao mesmo tempo o enfraquecimento das contas externas e a deterioração das contas fiscais. A arrecadação cada vez maior tem permitido ao governo alcançar as metas de superávit primário. A contenção de gastos tem sido nula ou quase nula. Se a economia crescer menos, em 2009, o recolhimento de impostos será afetado. Como o governo já formalizou grandes aumentos de salários, será difícil reduzir o custeio, mas será preciso tentar. Sem uma redução, o impacto da crise externa poderá ser muito mais forte.
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