"Obama voltou a acender em mim uma
ideia entre matreira e inocente de que
afinal nem tudo está perdido"
Pois é, esperei que passassem semanas para entrar no assunto Obama. Gosto dele. Gosto da sua cara limpa, do seu sorriso bom, gosto da sua mulher graúda e enérgica, daquelas que não estão aí para brincadeiras, gosto das duas meninas encantadas com o que acontece ao seu redor, mas sem sinal de deslumbramento. Gosto quando ele se abaixa para beijar uma das crianças, ou quando anda com uma delas pela mão. Gosto do olhar que ele e a mulher trocam. Gosto de pensar que na Casa Branca mora uma família normalzinha e amorosa. Neste mundo cada vez mais louco, cruel, contraditório e às vezes simplesmente besta, Obama voltou a acender em mim uma ideia entre matreira e inocente de que afinal nem tudo está perdido, nem mesmo quando sofremos uma crise tão grave causada por irresponsabilidade, ganância, omissão e burrice.
Claro que ser um cara legal e aparentemente ter uma bela família não vai resolver o dramalhão mundial em que nos meteram ou nos metemos. Mas dá algum alento. Tem gente que de saída odiou tudo: o negro culto e refinado, a mulher, as meninas, achou tudo falso, viu por trás disso graves maquinações, sinais de hipocrisia, negociatas e sei lá o que mais. Tem gente que desconfia do mundo sem querer saber do que se trata: acha que todos os médicos são charlatães, que todos os empresários são canalhas, que todas as mulheres são burras ou galinhas, que todos os homens são cafajestes, que todos os empregados são ladrões e todos os patrões são exploradores e blablablá. Esses, sinceramente, não me interessam. Meu cansaço pelos eternos pessimistas e desconfiados é tão grande quanto a exaustão pelos ingênuos ou bobos, que acreditam que está tudo bem, que o pessimismo é manipulação, que as maiores empresas do mundo estarem indo para o fundo do fundo do poço é pura invencionice. Esses que acham que os números publicados na imprensa internacional são mascarados, mas que os números nacionais são, ah sim, verdadeiros, esses me dão um tédio mortal.
Ilustração Atômica Studio |
Gosto de Obama porque foi um passo contra o preconceito, que é uma doença da alma e uma peste da cultura. Não só porque um primeiro presidente negro nos Estados Unidos é um avanço, mas porque ele é preparado para esse cargo, ao que tudo indica. Estudado, viajado, objetivo, sereno, não vocifera nos discursos, não lança perdigotos sobre o microfone, não humilha nem insulta os adversários, mas sabe ser realista e severo quando fala em possibilidade de catástrofe caso os políticos não se cocem.
O triste é que receio, apenas pela intuição e observação das coisas, que a lua-de-mel de Obama com seu povo e com o mundo não perdure, simplesmente porque as cretinices, as jogadas perversas, as roubalheiras, os desperdícios e a omissão geral eram grandes demais e não há plano que resolva. Tomara que os trilhões, que em breve serão quatrilhões, ajudem de verdade. Tomara que o mundo todo, nessa degringolada que nos inclui, se recupere a tempo, antes de virarmos manadas de pedintes revirando lixo: outro dia vi uma reportagem de gente comendo do lixo em esquinas de Paris, e foi uma punhalada. Vi bandos de animais de estimação soltos em ruas americanas porque, desempregados e sem dinheiro, os donos os estão soltando. Foi um tapa de realidade, mas então as coisas já estão assim? Parece que estão. Não inventei, não sonhei: foram reportagens, diretas, e eu vi. Queria não ter visto. Espero não ver nada disso multiplicado, enquanto os poderosos e os políticos discutem, trocam xingamentos, guerreiam pelo poder, e nós aos poucos (talvez menos que em alguns outros países) nos damos mal. Ou vocês acham que não?
Por gostar de Obama, vivo entre contentamento porque ele parece querer honradamente sustar a derrocada, não americana mas mundial, e tristeza por não saber se qualquer ser humano, partido político ou país tem força para corrigir tão enormes malfeitos. Seja como for, da minha velha e teimosa decepção em relação a políticos e governos, por algum tempo está brotando, teimoso e alegrinho, algo com cara de esperança. Bipolarmente, enroscado nela, nota-se algo chamado descrença.