Diego Escosteguy
Fotos Ed Ferreira/AE e Chico Nelson |
ALEGRIA, SENHORES! O cargo de vereador foi criado para aproximar o cidadão da administração de sua cidade. O tempo, porém, transformou as Câmaras em templos de corrupção, desperdício e inutilidade |
No Brasil, toda cidade tem pelo menos uma praça, uma igreja, um bar – e uma câmara de vereadores. Nenhum político é tão presente na vida do brasileiro quanto o vereador: existem hoje quase 52 000 representantes nas câmaras municipais. O vereador é tão tradicional na política brasileira que remonta ao longínquo ano de 1532, quando o primeiro deles foi eleito na vila de São Vicente. Cabe a ele encaminhar demandas da população ao governo local, cobrar resultados dos prefeitos e fazer leis municipais. No papel, uma boa ideia. Ficou na intenção. O projeto degenerou numa pálida e triste sombra do que poderia ser. Com o nascimento da República, em 1889, e a consequente concentração de poderes nas mãos de presidentes e governadores, os vereadores entraram num longo crepúsculo de irrelevância. Os gastos com as câmaras municipais passaram a crescer na mesma proporção dos escândalos que delas surgiam. Aos poucos, o posto de vereador perdeu sua nobre função democrática, transfigurando-se num mero carguinho, um meio de atender aos interesses políticos e, não raro, financeiros de seus ocupantes. A Constituição de 1988 consagrou esse duvidoso modelo, que hoje nos custa 6 bilhões de reais por ano – e, na semana passada, os congressistas conseguiram piorá-lo.
Sem resistências de nenhum partido, os parlamentares aprovaram uma emenda à Constituição que aumenta o número de vereadores em cerca de 8.000. Os deputados e senadores ainda deixaram uma sorrateira brecha na emenda, pela qual os atuais suplentes podem ocupar imediatamente essas vagas. Esse é o motivo para a efusiva comemoração estampada na foto acima. A reação ao casuísmo, no entanto, não tardou. O presidente do Tribunal Superior Eleitoral, ministro Carlos Ayres Britto, referindo-se à possibilidade de posse desse pequeno exército, lembrou que a corte já havia estabelecido o dia 30 de junho deste ano como data-limite para qualquer alteração no cálculo do número de vereadores. Em outras palavras, Ayres Britto deixou claro que o tribunal não permitirá a farra: "A emenda atual chegou tarde para entrar em vigor na corrente legislatura". As novas regras, portanto, só valem a partir das eleições de 2012 – se as cortes superiores não as derrubarem até lá, o que é provável.
A decisão dos parlamentares configura um retrocesso de cinco anos. Antes das eleições de 2004, o TSE havia cortado mais de 8 000 vagas, por entender que os municípios estavam extrapolando o limite constitucional de número de vereadores. Desde então, os congressistas tentavam aprovar a emenda que multiplicaria novamente os assentos municipais. Não há razões republicanas que justifiquem as novas vagas. Eis o que escreveu na sua proposta o deputado Arnaldo Faria de Sá, do PTB de São Paulo, relator da emenda: "As câmaras de vereadores é (sic) a escola dos políticos estaduais e nacionais. O vereador procura... trazer melhorias àqueles que o rodeiam, bem como ainda (sic), a melhoria num todo". (Registre-se que a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara aprovou esse texto.) Não é preciso ter ido à escola para perceber que não foram os argumentos bem construídos do deputado Arnaldo Faria de Sá que conquistaram os parlamentares. Tanto empenho para aprovar a emenda explica-se pela importância eleitoral dos vereadores, especialmente nas pequenas cidades do país. Nesses lugares, o apoio político dos vereadores é essencial para assegurar votos aos candidatos à Presidência, ao governo estadual, ao Senado, à Câmara, a prefeito...
Sob uma perspectiva puramente política, portanto, os deputados e senadores ganharam 8.000 cabos eleitorais – pagos com o nosso dinheiro. Diz o cientista político Octaciano Nogueira, da Universidade de Brasília: "Para que tantos vereadores? Não há dúvida de que se trata de um número exagerado. Eles deveriam ser meros síndicos das comunidades". A figura desses síndicos existe na maioria das democracias ocidentais, como Estados Unidos, França e Inglaterra. É uma tradição que remonta aos edis da Roma antiga. Nesses países, contudo, considera-se o cargo um serviço público, voltado para o bem da comunidade – e que, como tal, prescinde de remuneração. Nesse quesito, o Brasil inovou, e hoje paga salários aos vereadores de todas as cidades. A figura do vereador, apesar de aperfeiçoada aqui, é uma herança portuguesa, que persiste nos países colonizados pela antiga potência ultramarina. Até a independência do Brasil, em 1822, os vereadores detinham a primazia da ação política no país. Para ser vereador, contudo, era preciso ter nacionalidade portuguesa – uma maneira que os colonizadores encontraram para controlar as atividades políticas do Brasil. Cabia a esses homens cuidar dos interesses da coroa no país. Hoje, tantos anos depois, a emenda aprovada pela Câmara demonstra que o patrão realmente mudou. Deveria ser o povo – mas são eles mesmos, os políticos.