Política
Mais Política, sff
Com a má fama que o termo política há muito adquiriu, vir pedir mais política soará sempre a uma espécie de delírio. Como se já não tivessemos política que bastasse. No entanto, não querendo entrar em preciosismos académico-filosóficos, importa não esquecer que a política refere-se ao governo da polis. Haverá algo mais nobre do que discutir-se o bem comum? O problema, como é sabido, é que a luta dos atores em confronto facilmente resvala para outro tipo de discussão. Do ataque pessoal ao fait diver, do caso ao lapso, a agenda das campanhas acaba facilmente dominada pela conhecida politiquice, onde as ideias políticas mal se fazem ouvir. Infelizmente, parece ser exatamente isso que se está a passar nos Açores.
É certo que a discussão política num nível regional encerra sempre limitações estruturais. O cenário dos arquipélagos não está à margem das definições de âmbito nacional, o que limita naturalmente a margem de manobra dos governos regionais numa série de matérias. No entanto, o vasto leque de competências previsto pelas autonomias regionais assegura já que muitas opções políticas possam ser discutidas. Há de facto espaço para discussão política séria, com alternativas estruturadas e enquadradas ideológicamente. Mais à esquerda ou mais à direita, podem e devem existir visões diferentes sobre o rumo que os Açores devem seguir.
No entanto, olhando para as notícias que vão enchendo os media regionais, PS e PSD surgem mais dedicados em anular-se mutuamente do que em apresentar-se como alternativa. A campanha de cada um dos grandes partidos do centro acaba assim por se desenvolver centrada em ataques ao candidato opositor, tendo até dificuldade em deslocar de lógicas bastante medíocres. Ora Berta Cabral responsabiliza Vasco Cordeiro pela (má) obra do governo que integra, considerando-se uma lufada de ar fresco, ora Vasco Cordeiro recua 20 anos e recorda as responsabilidades de Berta Cabral nos governos de Mota Amaral.
Curiosamente, tendo em conta o contexto actual, nesta campanha (ou pré-campanha, se preferirem), PS e PSD teriam todas as condições para se apresentarem com visões políticas diferentes quanto ao futuro da região, quanto ao caminho a seguir, quanto às opções estratégicas a tomar. Ambos os partidos poderiam com mais clareza ocupar os respetivos campos ideológicos. Berta poderia, por exemplo, defender vigorosamente a linha de Passos Coelho. Mas todos sabemos que a matriz liberal está muito longe de a poder caracterizar. Por seu turno, Vasco Cordeiro bem pode proclamar que o país e a região não precisam de uma agenda de austeridade. Mas não foi essa a agenda que o seu partido acordou com a troika? Se a estes factos juntarmos aparelhos partidários para os quais a política muitas vezes se resume a lógicas clubísticas, defendendo o seu partido como se do Benfica ou do Sporting se tratasse, temos todos os condimentos para mais uma campanha que de política terá muito pouco.
A pouca diferenciação ideológica entre o PS e PSD é algo já demonstrado academicamente. O sistema partidário português, quando comparado com outros sistemas do mundo ocidental, caracteriza-se por apresentar pouca diferenciação ideológica entre dois partidos que ocupam o centro político. A fraca discussão política nos Açores não deixa de refletir essa determinante a nível nacional. De qualquer modo, num momento tão crítico para o país e para a região, em que é quase impossível ser-se indíferente, não defender uma posição, não preferir um caminho, esperava-se mais destas eleições. Esperava-se sobretudo mais política. Mas o que nos leva a crer que estes dois partidos e respectivos aparelhos estão de facto interessados em diferenciar-se politicamente?
Artigo hoje publicado no Açoriano Oriental
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