Marcas que garantem a longevidade das empresas
Política

Marcas que garantem a longevidade das empresas


Resistentes ao tempo

Quando a marca é um bem tão valioso que 
consegue garantir a longevidade de uma empresa


Renata Betti

Fotos Paulo Vitale e divulgação
SÓ CAMISETA BRANCA, NÃO DÁ
Em 1907, ano em que a foto acima foi tirada, a fábrica da Hering, na cidade de Blumenau, já produzia as camisetas brancas que se tornaram sinônimo da marca. Só que elas eram usadas como roupa íntima. Fundada em 1880, na casa do imigrante alemão Hermann Hering, a empresa passou mais de um século apoiada na fórmula da moda básica. Como nos anos 90 perdia mercado, precisou mudar, aumentando a variedade de peças e o número de coleções. "Foi necessário reestruturar o negócio para dar novo gás à marca", diz Fábio Hering (à esq.), o atual presidente.


Poucas empresas resistem ao teste do tempo. No Brasil, apenas 20% delas chegam a completar trinta anos. Em setores mais competitivos, como o de vestuário, hoje disputado por algo como 30 000 empresas no país, contam-se nos dedos aquelas que não sucumbiram às crises internas, às sucessivas transformações do mercado, aos sacolejos da economia. Ainda mais raros são os casos de companhias antigas que, embora tenham sofrido a ameaça da decadência, firmaram-se no topo de sua categoria. Daí o interesse despertado por um grupo delas, sobre o qual um estudo da Fundação Dom Cabral lança luz. A lista compreende nomes como Lupo, Topper, Havaianas e Hering, a mais antiga delas, com 129 anos. O que essas raras sobreviventes têm de diferente das demais? "Todas são donas de marcas fortes", resume Carlos Arruda, coordenador da pesquisa.

Uma marca pode ser decisiva para a longevidade de um negócio, a exemplo do que se passa em algumas das empresas mais antigas do mundo, entre elas Faber-Castell (de 1761), Nokia (1865) e Levi's (1853). No Brasil, a Alpargatas deve muito de seus 102 anos de existência a duas de suas grifes, Topper e Havaianas. "Sem elas, talvez já tivéssemos desaparecido do mapa", diz Rui Porto, um dos principais executivos do grupo. Marcas são ativos, como são também as máquinas de uma fábrica ou o prédio em que ela está instalada. Mas esses ativos imateriais às vezes se tornam tão fortes que podem valer até mais do que a própria empresa que os criou. Foi o que ocorreu, por exemplo, com a BMW, depois de adquirir a marca Rolls-Royce, dez anos atrás. Ainda que a empresa inglesa de mesmo nome estivesse à beira da falência, conseguiu passar a marca adiante pelo equivalente a 1 bilhão de reais. A grife de carros de luxo era, na época, seu único bem de valor.

Lailson Santos
UMA QUESTÃO DE SOBREVIVÊNCIA
Desde que lançou sua primeira chuteira, testada pelo jogador Sócrates (na foto à direita, em 1979), a Topper passou três décadas com o foco apenas no futebol. Assim foi até janeiro deste ano, quando decidiu investir numa completa repaginação. O objetivo é modernizar a marca, que perde espaço no Brasil para gigantes como Nike e Adidas. A exemplo das concorrentes, a Topper abriu sua primeira loja-conceito (à esq.), em São Paulo, contemplou pela primeira vez o público feminino e passou a mirar outros esportes. Não foi uma opção, mas a única saída para a sobrevivência da marca.


A consolidação de uma marca é um desafio dos mais complicados para uma empresa. Não basta que ela esteja vinculada a um bom produto. "Se não se posicionar de forma apropriada no mercado, nada a fará vingar", diz Daniella Bianchi, da consultoria Interbrand. É com esse objetivo que se investem verdadeiras fortunas em marketing. A Havaianas destina, a cada ano, cerca de 100 milhões de reais à área. Em 1994, quando iniciou um radical processo de repaginação do negócio, a quantia chegou a ser equivalente a todo o seu faturamento. Também a Topper entendeu que era preciso dar novos ares à sua marca e decidiu, neste ano, canalizar 38 milhões de reais para ações de marketing - o dobro de 2008. Dispor do dinheiro é apenas o começo. A experiência mostra que qualquer pequeno ajuste numa marca já consolidada traz riscos consideráveis. Apenas por ter modernizado o seu velho logotipo, a Topper recebeu, recentemente, uma chuva de protestos pela internet. A diferença em relação ao original era pouca, mas alguns consumidores insistiam na ideia de que o logo havia perdido "sua força". "Seria perfeito caso fosse uma loja de sungas, não de chuteiras", disparou um crítico. Pesquisas de mercado indicam, no entanto, que a mudança começa, pouco a pouco, a ser absorvida. Os executivos respiram aliviados.

Estratégias desse tipo frequentemente caem no vazio se não vêm casadas com a reformulação do próprio negócio. "Se continuássemos a vender a velha camiseta básica de sempre, seríamos engolidos", reconhece Fábio Hering, da quinta geração da família e hoje presidente da empresa. "De tradicionais, passamos a ser vistos como ultrapassados." Desde que o tecelão Hermann Hering deixou a Alemanha rumo a Blumenau, no fim do século XIX, e começou, ele próprio, a fabricar roupas na sala de casa com um único tear, a fórmula em que se apoiava a empresa não precisou mudar muito - até que chegassem os anos 90. A insistência no velho modelo foi possível num cenário de pouca concorrência no Brasil, mas não mais depois da abertura econômica do país. Atacada de um lado por roupas chinesas baratas e de outro por marcas globais, como a Zara, a Hering perdeu mercado até, três anos atrás, iniciar uma radical transformação. Um dos pontos cruciais foi investir na diversificação das peças, hoje vendidas em seis coleções por ano - e não mais em uma, como acontecia até 2005. Coisa parecida vive agora a Topper. "Num segmento em que a tecnologia só avança e surgem novos acessórios a cada dia, havíamos parado no tempo, e isso se refletia nas vendas", diz Fernando Beer, à frente da marca. De janeiro para cá, a Topper, que só aparecia em artigos para futebol, passou a surgir estampada em outros itens esportivos, além de, pela primeira vez, mirar o público feminino. "Sem isso, estaríamos fadados à insignificância no nosso mercado."

Fotos Lailson Santos e divulgação
DA FÁBRICA PARA AS VITRINES
Quando Liliana Aufiero (à esq.) resolveu abrir a primeira loja da Lupo, em 1995, foi duramente criticada. "Diziam que ficaria às moscas", lembra. Não ficou. Na realidade, a iniciativa foi decisiva para reforçar a marca criada por seu avô, o relojoeiro italiano Henrique Lupo. Já no Brasil, ele passou quase uma década confeccionando meias na sala de sua casa, em Araraquara. Isso até inaugurar a primeira fábrica, em 1927 (à dir.), hoje transformada numa megaloja. "É uma boa vitrine para a marca", diz Liliana.


Para estender a vida de suas marcas ainda mais em direção ao futuro, essas empresas adotaram outra medida que implica, para elas, uma mudança profunda: depois de décadas e décadas restritas à indústria, todas elas migraram para o varejo e investiram maciçamente em lojas próprias. Quando Liliana Aufiero, a atual presidente da Lupo, a mais antiga fabricante de meias do país, com 88 anos, resolveu abrir a primeira loja, em 1995, foi tachada de louca. "No mercado, diziam que uma marca só de um segmento tão específico jamais atrairia gente suficiente para uma loja." Erraram. O negócio deu tão certo que outras 160 vieram desde então. "Mais do que vender produtos, a ideia é reunir tudo o que existe de uma marca num único lugar, criando uma poderosa vitrine para ela", diz Ricardo Poli, professor da Escola Superior de Propaganda e Marketing. A estratégia é a mesma adotada, há pelo menos uma década, por gigantes globais de diferentes áreas, como Apple e Nike. Elas conseguiram conferir valor às respectivas marcas com suas lojas-conceito.

Criada em 1962, a marca Havaianas também dispõe hoje de lojas-conceito. Mas ela é um caso especial: está estampada num produto brasileiro de sucesso internacional. "Por muito tempo, nossas sandálias sofreram com o estigma de 'simplesinhas'. Eram vistas como o avesso da sofisticação", avalia Carla Schmitzberger, diretora-geral da Havaianas. Há dez anos, foram tomadas ali duas decisões cruciais. A primeira foi multiplicar por 100 a variedade de sandálias - chegando a 500 tipos e, pela primeira vez, a todas as classes sociais. A outra medida diz respeito às vendas no exterior, passo decisivo para reverter a imagem pouco glamourosa. A Havaianas já chega a oitenta países. "Quando os brasileiros souberam que estávamos vendendo nas Galeries Lafayette, de Paris, passaram a valorizar muito mais a marca. Sem isso, talvez não tivéssemos conseguido nos reposicionar", pondera Carla. A Topper, por sua vez, lançou uma linha de calçados esportivos exclusiva para o Japão. Com cores chamativas, como verde-limão e amarelo-ovo, atendiam ao gosto local. O sucesso foi grande - e criou uma nova demanda no Brasil. "Tenho certeza de que os modelos despertaram tanto interesse dos brasileiros justamente porque já haviam virado febre no exterior", diz Fernando Beer, que decidiu lançar a mesma linha no mercado brasileiro. O resultado da Havaianas é difícil de igualar. Mais até que uma marca, ela é hoje quase um ícone, imediatamente associado a um estado de espírito e a um estilo de vida. Mas o exemplo, calcado na busca ambiciosa por um espaço global - esse sempre é possível seguir.




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