Mariano Grondona A hora da verdade para os Kirchner
Política

Mariano Grondona A hora da verdade para os Kirchner



"Passados cinco anos do início de sua aventura,
os Kirchner retêm o poder em meio às novas condições
econômicas criadas pela crise internacional e às novas
condições políticas causadas pelo seu acentuado
desgaste perante a opinião pública"

Alejandro Pagni/AP
CASAL GOVERNANTE
Em vista da maneira quase obsessiva como Cristina e Néstor Kirchner
se aferram ao poder, é perigoso subestimá-los


Tanto no campo econômico quanto no político, 2009 será um ano decisivo para os argentinos. No campo econômico, porque em seu transcurso se verá até que ponto a crise internacional afetará um país no qual os Kirchner procuraram responder à emergência com medidas heterodoxas, distantes do caminho percorrido pelas nações maduras da Europa, da América do Norte e da América Latina, e próximas do estilo venezuelano de Chávez. No campo político, porque haverá eleições parlamentares nas quais os Kirchner poderão perder o controle do Congresso ou, se o mantiverem, melhorar suas perspectivas para as eleições presidenciais de 2011. Se perderem o controle do Congresso em 2009, lhes será penoso preservar o poder dali em diante. Se mantiverem o controle, é provável que o ex-presidente Néstor Kirchner queira suceder à sua esposa, Cristina, em 2011, prolongando dessa maneira o projeto do casal de reeleições indefinidas.

A desconfiança

Como advertiu Francis Fukuyama em seu livro Trust (Confiança), a confiança é o cimento da sociedade. Quando os governados não confiam apenas em seus líderes, mas também uns nos outros, a vida econômica e social se torna previsível. Quando se rompe a confiança, caem os investimentos e fogem os capitais. Afetados por uma crise global de proporções gigantescas, os governos necessitam mais do que nunca escorar a decaída confiança dos investidores internos e externos. Por isso transferem a cada dia mais recursos às empresas financeiras ou industriais.

Ao confiscarem os 30 bilhões de dólares que os poupadores haviam depositado nos fundos de previdência privada, contudo, os Kirchner tomaram o caminho inverso. Se esse confisco permitiu ao governo manter os superávits que a recessão havia posto em perigo, também estimulou uma fuga de capitais privados, que neste ano chegou a 22 bilhões de dólares. Empenhado em reverter esse fluxo, o governo propôs uma lei de anistia que, segundo seus defensores, permitirá que retorne ao país uma massa de dinheiro de sonegadores. Os críticos do governo, por sua vez, o acusam de buscar um atalho para favorecer funcionários e empresários amigos acusados de corrupção.

É preciso confiar para inspirar confiança? A pergunta é pertinente porque os Kirchner só confiam naqueles a quem podem controlar e desconfiam do mercado, onde se expressa a vontade livre de milhões de agentes econômicos, que vendem e compram por vontade própria e podem ser seduzidos, mas não coagidos. Os agentes econômicos só entram onde sabem que poderão sair. Se os mercados hoje não confiam no estado argentino, não será porque a desconfiança original partiu desse estado? Quem semeia desconfiança será capaz de colher o seu contrário? O que farão os Kirchner para quebrar esse círculo vicioso que os ameaça com o perigo de um novo calote, passados apenas sete anos daquele que deu cabo do governo De la Rúa? Enquanto eles não conseguirem rompê-lo, a Argentina sofrerá de anemia em sua conta de investimentos.

As eleições

Se ao longo de 2009 o país não sair do buraco econômico em que caiu, não somente os Kirchner mas também os argentinos sofrerão. Se o governo perder as eleições parlamentares do próximo ano, os Kirchner certamente sofrerão, mas não necessariamente os argentinos, pois, ao menos para a oposição, os Kirchner não são parte da solução, e sim do problema.

Neste ano, apesar de contar com ampla maioria no Congresso, o casal governante teve sérias dificuldades para impor seus projetos legislativos em razão da dissidência de parlamentares que acabaram por deixar o bloco governista. Essa fratura refletiu o fato de que a aprovação popular da presidente Cristina Kirchner caiu de 56% para 28%. Dada a crescente hostilidade da oposição, uma maioria antikirchnerista no Congresso depois das eleições deste ano porá em risco a governabilidade do país sob Cristina.

Mas, assim como acontece com a oposição a Chávez na Venezuela, a oposição aos Kirchner está dividida na Argentina. Na ponta do lápis, os votos anti-Kirchner estão por volta dos 70%. Mas, em parte por diferenças conceituais, em parte por vaidade, as lideranças de oposição não conseguiram até agora chegar a um acordo político. Se as eleições parlamentares acontecerem no começo de outubro do próximo ano, ainda têm tempo. Mas, em vista da maneira quase obsessiva como o casal governante se aferra ao poder e monopoliza os recursos do estado, será perigoso subestimá-lo.

Por todas essas razões econômicas e políticas, 2009 se apresenta como um ano crucial para os argentinos. Em 2003, com o vento propício da extraordinária valorização das commodities, o recém-eleito presidente Kirchner passou a dominar a cena política com um projeto tão audaz quanto desmesurado: concentrar todo o poder por todo o tempo. Passados cinco anos do início dessa aventura, os Kirchner retêm o poder em meio às novas condições econômicas criadas pela crise internacional e às novas condições políticas causadas pelo seu acentuado desgaste perante a opinião pública. Se conseguirem superar esse duplo desafio, poderão prosseguir aspirando a um poder sem limites. Caso contrário, terá início uma queda vertiginosa. Para eles e para o país, 2009 será o ano da verdade.




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