Estudo põe fim à mais antiga polêmica da cardiologia
ao comprovar que a angioplastia e a cirurgia são
igualmente eficazes na desobstrução das artérias
Adriana Dias Lopes
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Um estudo recém-publicado na revista científica The Lancet encerra uma das mais polêmicas e antigas discussões da cardiologia: para a desobstrução de artérias, a cirurgia de revascularização é mais eficaz que a angioplastia? Não. Tanto a remoção das placas por meio de um cateter quanto a colocação de pontes de safena e mamárias apresentam resultados semelhantes. No maior estudo realizado até hoje, foi constatado que o índice de mortalidade entre os pacientes submetidos à angioplastia ou à cirurgia é de 10%, cinco anos depois das intervenções. Tal comprovação foi feita com base na análise dos dez últimos e mais importantes trabalhos sobre o assunto, envolvendo 8.000 homens e mulheres de 60 anos, em média. Entre eles, figura uma pesquisa brasileira, a Mass II, coordenada pelo cardiologista Whady Hueb, do Instituto do Coração (Incor), em São Paulo. "A notícia deve servir para orientar definitivamente os médicos mais conservadores, que sempre optaram pela cirurgia independentemente do perfil do paciente", diz Hueb. "Cada procedimento tem suas próprias indicações." Como se vê, não se trata da supremacia da angioplastia sobre a cirurgia – ou vice-versa.
Atualmente, são realizadas a cada ano no Brasil 90.000 angioplastias e 30.000 cirurgias de revascularização. A maioria das angioplastias é feita com stents, próteses metalizadas colocadas no interior dos vasos obstruídos para normalizar o fluxo sanguíneo. Desenvolvidos no fim da década de 70, tais dispositivos oferecem naturalmente riscos maiores de entupimento que as cirurgias de revascularização. Os stents agridem a parede das artérias. O organismo reage a essas lesões ativando mecanismos que podem deflagrar um processo inflamatório. De cada 100 pacientes submetidos a uma angioplastia com stent, dez voltam a apresentar uma nova obstrução. Comparada à cirurgia, a desobstrução por meio de cateter é infinitamente menos invasiva. Leva, em média, uma hora para ser concluída e requer apenas anestesia local. Em no máximo dois dias o paciente volta às atividades normais. Já a cirurgia para a colocação de ponte de safena ou mamária demora, em geral, sete horas. "Trata-se de um dos procedimentos mais agressivos da cardiologia", diz o cardiologista Marcus Bolívar Malachias, diretor do departamento de hipertensão da Sociedade Brasileira de Cardiologia. Raramente o paciente deixa o hospital em menos de uma semana.
Há, no entanto, aqueles pacientes cuja única opção é a cirúrgica. O exemplo mais emblemático é o que ocorre com os diabéticos. O trabalho publicado na The Lancet mostra que, entre esses pacientes submetidos à cirurgia, 12% morreram depois de cinco anos. Entre os que fizeram angioplastia, o mesmo ocorreu com 20%. Para os diabéticos, portanto, o padrão-ouro é ainda a cirurgia. Isso porque eles são mais sensíveis ao principal efeito adverso da angioplastia: as inflamações. O excesso de açúcar circulante no organismo do diabético machuca a parede dos vasos, levando ao processo inflamatório e aumentando a probabilidade de uma nova obstrução. Há ainda os doentes que podem ser controlados apenas por meio de medicamentos. Cerca de 80% dos pacientes com obstruções arteriais são poupados das angioplastias e das cirurgias graças à combinação de remédios como estatinas, anti-hipertensivos e antiplaquetários (veja o quadro abaixo).
Os progressos no combate às placas de gordura não se restringem apenas ao campo do tratamento. Nos últimos dez anos, o aprimoramento dos exames de diagnóstico avançou a passos largos. O mais antigo deles é o cateterismo, desenvolvido no fim da década de 20. Feito por meio de uma punção na virilha do paciente, por onde se coloca uma sonda que circula pelas artérias, o exame exige internação de pelo menos seis horas. A alternativa mais moderna ao cateterismo é a tomografia, uma espécie de raio X de última geração. De todos os órgãos do corpo humano, o coração é o que registra os movimentos mais intensos e complexos. Graças aos tomógrafos mais modernos, capazes de trabalhar a uma velocidade de quase 200 imagens por segundo, hoje em dia é possível detectar problemas coronarianos, como o acúmulo de placas de gordura, muito precocemente. Em novembro do ano passado, um estudo publicado na revista científica The New England Journal of Medicine, conduzido por outro brasileiro, o cardiologista Carlos Rochitte, também do Incor, comprovou que em 93% dos casos de obstrução a tomografia consegue os mesmos resultados do cateterismo – ambos têm capacidade de localizar o depósito nas artérias de placas de menos de 1 milímetro cúbico de volume. A tomografia já faz parte da lista de exames de check-up do coração dos hospitais e centros de diagnóstico mais avançados.