MERVAL PEREIRA Enfim, a oposição
Política

MERVAL PEREIRA Enfim, a oposição


O Globo - 19/08/2010

A campanha presidencial entrou em nova fase, menos por gosto e mais por precisão do candidato tucano José Serra, que não tem mais tempo a perder com tentativas de fingir que não é oposição ao governo Lula.

Enquanto deu para se equilibrar em um discurso dúbio, em que atacava o governo, mas preservava a imagem de Lula, até elogiandoo em excesso para alguns partidários, Serra foi conseguindo se manter na casa dos 40% de preferência do eleitorado, que o conhecia melhor do que a Dilma.

À medida que o eleitorado foi ligando o nome de Lula à sua pessoa eleitoral, Dilma cresceu de maneira firme, mesmo que não se apresentasse tão firme assim na pré-campanha eleitoral, e cresceu em cima dos números de Serra.

Os primeiros tropeços graves, no início da campanha, foram sendo superados à custa de muito treinamento, e hoje a candidata oficial já consegue enfrentar momentos de estresse político relativamente bem, como aconteceu ontem no primeiro debate na internet promovido pela “Folha de S. Paulo” e pelo UOL.

Tão bem que é capaz de sustentar versões fantasiosas sobre o PT ter apoiado o Plano Real “e o executado”, quando na verdade, depois de atacá-lo em todas as suas ações congressuais, teve que segui-lo quando assumiu o governo para garantir a estabilidade da economia.

Ou simplesmente dar versões distorcidas, como quando acusou o DEM de ser contra o ProUni, por o partido questionar na Justiça critérios como raça para a escolha dos bolsistas.

Não se trata de uma grande oradora, muito ao contrário.

Dilma parece sempre aponto de esquecer o script, de falhar na ligação entre as frases, demonstra muito esforço para uma tarefa que parece mais simples tanto para Marina Silva quanto para José Serra.

Com a vantagem que a principal adversária abriu em todas as pesquisas de opinião, já não há mais escolha para Serra senão atacá-la de frente, tentando demonstrar que ela não tem condições de suceder a Lula.

E também tem sido inevitável comparar os dois governos, o atual petista e o anterior, tucano, o que não tem se mostrado necessariamente ruim para Serra.

À medida que ele perde o receio da confrontação entre os governos de Lula e o de Fernando Henrique Cardoso, fica cada vez mais claro que há um processo em marcha, e que a gênese desse processo de desenvolvimento não é o governo Lula, como quer a propaganda oficial.

Mesmo que os números sejam favoráveis ao governo Lula, a campanha da petista já foi obrigada a reconhecer que foi um erro não apoiar o Plano Real.

O próprio presidente Lula, para comentar a dificuldade em que se encontra o candidato oposicionista, usou a eleição de 1994, que perdeu no primeiro turno para Fernando Henrique, para explicar: “Já vivi isso.

Quando tinha de fazer campanha contra o Plano Real, o povo votava no Real, e eu me lasquei.” Não se pode nem dizer da candidata Dilma que ela bate como homem, mas quer ser tratada como mulher nos debates políticos, já que sua verdadeira personalidade está maquiada pelo marketing político que a transformou de executiva fria e quase rude, que já fez muito homem chorar, em uma doce senhora.

E essa doce senhora sentiuse ofendida ontem com a pergunta de um jornalista do UOL sobre sua saúde.

Ora, em que mundo vivemos? Um candidato à Presidência da República deveria ser obrigado a prestar contas sobre sua saúde à população e não pode considerar esse um assunto “privado”.

Nos Estados Unidos, o republicano John McCain, aos 72 anos, com uma saúde frágil em consequência das torturas sofridas quando prisioneiro de guerra no Vietnã, e já tendo tido um melanoma, seria o mais velho presidente a assumir o cargo num primeiro mandato se vencesse a eleição contra o democrata Barack Obama em 2008.

No meio da campanha, apareceu certa manhã com um curativo no rosto, e foi o que bastou para especulações sobre a volta do melanoma.

Ele teve que não só explicar que retirara uma pinta do rosto como mostrar o laudo médico que garantia que não havia ali qualquer tumor maligno.

Depois do primeiro programa de televisão, em que o de Dilma Rousseff foi mais “presidencial” do que o de Serra, provavelmente teremos mudanças.

A favela cenográfica mostrada pelo programa do PSDB, que mais parecia um cenário de chanchada da Atlântida com aqueles barracões de zinco romanceados e sambistas estereotipados, deve desaparecer, assim como a figura popular do Zé, para dar lugar a um candidato mais assertivo em busca de confrontação para se impor ao eleitorado como o mais preparado.

Embora Dilma tenha 46% mais de tempo de propaganda no rádio e na TV, os 7 minutos e 18 segundos que o tucano tem por bloco do horário eleitoral obrigatório são mais que suficientes para ele dar o seu recado.

Tanto ele quanto a candidata oficial vão em busca de eleitores que, embora aprovem o governo Lula, não votam automaticamente no candidato apoiado por ele.

Eles são cerca de 20% do eleitorado e estão principalmente entre os mais pobres, com renda de até um salário mínimo.

A campanha de Dilma tem outro nicho onde buscar os poucos pontos que a separam de uma vitória no primeiro turno: cerca de 7% dos eleitores ainda não identificam Dilma como a candidata do presidente Lula.

O contraditório que caracteriza a parte final da campanha, que é a mais decisiva pelo alcance do programa de propaganda de rádio e televisão, deve permitir que o eleitor se posicione com clareza, e os petistas jogam com a certeza de que, à medida que Serra se apresente como o candidato da oposição, mais será visto pelo eleitor como o anti-Lula.



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